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24.4.07

A DUVIDA - 46º. fascículo

(continuação)

Quis saber mais pormenores. Então como ia o "Borboleta"? Zélia ainda parava por lá? Não estavam admiradas com o meu desaparecimento? Qual quê! Nem tinham falado nisso. Eu bem sabia que ela nunca tinha acamaradado com as outras e não ia, agora, pôr-se a falar daquele local detestado. Estivera a falar com Sueli porque, eu sabia como ela era, alegre e faladora que até dá gosto. Tinha querido saber tudo, como era o nosso relacionamento, porque se tinha deixado prender por mim, a razão do meu interesse por ela, se fazíamos a vida normal dum casal, se eu a tratava bem, se provia ao seu sustento, enfim, tagarela como era, não parara de fazer perguntas. Sim, durante a sessão e não obstante alguns "schius" incomodados. Mas, sobretudo, na Regaleira, enquanto comiam dois cachorros. Por isso se atrasara um pouco.

E Maria do Céu foi para a casa de banho, quase saltitando, que eram horas de dormir.

Quando vieste da casa de banho, Maria do Céu, eu estava - e estive ainda, por muito tempo - à janela, a espreitar o rio, onde a lua aproveitava a suave ondulação para desenhar fugidios e prateados peixes, miríades a aparecer e a desaparecer, num vertiginoso jogo de escondidas que me entontecia. Quanto mais voltas dava à tua história, mais me custava a encontrar-lhe a face, o fio, a ponta da verdade nela porventura existente. Por um lado, não atinava com a necessidade de me mentires. Afinal, eras livre, podias deixar-me e afastar-te, tão pronto o quisesses. Podias, se o desejasses, tranquilamente voltar à vida antiga ou, aproveitando a embalagem dada por mim, iniciares uma nova. Eu não teria meios de to impedir. Mas por outro lado, raio de história, tão cheia de coincidências e tão vazia de acontecimentos susceptíveis de a confirmar. Pensei encontrar-me com Sueli no dia seguinte. Mas não pude afastar o constrangimento de, qual colegial enciumado, ir tirar satisfações de terceiros que, ainda por cima, poderiam logo ir contar-te. Se fosse verdade, ia ficar terrivelmente envergonhado por ter suspeitado de ti. Se fosse mentira, ia ficar envergonhado por ter sido enganado. Não tinha saída! Só podia ficar com a minha dúvida! Passara a ter por companhia a minha incredulidade raivosa, a querer roubar certezas do silêncio!

(continua)
Magalhães Pinto

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