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29.4.07

A DUVIDA - 51º, fascículo

(continuação)

O mesmo ambiente de sempre. Talvez menos homens e mais mulheres do que quando era frequentador assíduo. A mesma estridência, a mesma cumplicidade, os mesmos jogos. Algumas caras conhecidas abriram-se-me num sorriso rasgado. Então ainda não tinha morrido? Há tanto tempo sem aparecer! Perguntei por Sueli. Ninguêm se lembrava de a ver, recentemente. E Zélia? Apontaram-me um recanto. Vistas dali, apenas duas silhuetas. Aproximei-me, deixando as duas silhuetas ganharem rostos de gente, a conversar animadamente. Uma delas, com barbas e de óculos, desconhecida. A outra, quando me reconheceu, teve um gesto de desculpa para o companheiro e chegou-se a mim, beijando-me nas duas faces. Que era feito de mim? Vinha para roubar outra, enfastiado já, ou vinha matar saudades? Perguntei por Sueli. Se esses eram os meus desejos, andava com azar! Há mais de um mês, Sueli estava por conta dum comerciante viúvo de Lisboa, por ali aparecido um dia e agarrado, como taínha esfomeada, pelo seu ar gaiato e alegria contagiante. Não tinha sido um mau negócio para a rapariga! Cama e mesa, num belo andar na capital, para os lados de Benfica, em troca duns rapapés ao velho que, pela aragem, nem de carruagem lá iria mais do que uma vez por semana. Mas que é isso, velhote?! Estás assim tão desejoso de Sueli? Escusas de ficar com esse ar, de Romeu enviuvado. Se não te sirvo eu, não te faltam para aí mulheres!

Deixei Zélia com uma desculpa qualquer e encostei-me ao balcão do bar, olhando maquinalmente em redor. Tantas Maria do Céu! Mexidas, apalpadas, abraçadas, empernadas! Tinham todas o rosto e o corpo de Maria do Céu! Não precisei de pedir. O empregado colocou o gin tónico à minha frente. Paguei distraidamente. De copo na mão, fui apoiar-me na divisória que separava a plataforma superior das mesas contíguas à pista de baile. Sentia-me esvaziado da dúvida, fora-se a tensão. Mentira. O que Maria do Céu me contara era mentira. E, face a isso, nem sequer a curiosidade de conhecer a verdade me assaltava, naquele momento.

(continua)
Magalhães Pinto

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