Para o corrente ano, o Governo instituiu um pagamento especial por conta do IRC que, a ser aplicado, conduzirá, seguramente, a uma de duas situações:
. ou, simplesmente, à recusa das empresas em pagá-lo, não tanto por vontade própria, mas sim por lhes ser impossível fazê-lo;
. ou, no caso de não quererem viver em regime de desrespeito fiscal, ao encerramento puro e simples.
Já tive ocasião de me exemplificar aqui com duas actividades em que o que o Governo pretende arrecadar com o dito pagamento corresponde à quase totalidade ou, pelo menos, a uma gordíssima fatia, da margem bruta com que esses negócios trabalham: as agências de viagem e os armazenistas da distribuição de tabaco. Mas poderia ser mais vasto. Há muitos negócios, particularmente comerciais, cujas margens BRUTAS de venda são inferiores a 10%. O que significa que, muitas delas, trabalham com margens líquidas - aquelas que devem ser efectivamente tributadas - inferiores a 3%, muitas vezes não chegando a 2%. Ao pretender arrecadar 1% das vendas em imposto, o Governo "nacionaliza" esses negócios, pondo-os a trabalhar para si. De "maior" sócio nos lucros, que já era, o Estado transformar-se-á, no caso de a medida legislativa ser implementada, em sócio "único". Apenas para os ganhos. Porque, para aos prejuízos, o Estado fará um manguito.
Porventura porque os gritos de socorro foram muitos e audíveis, o Governo decidiu adiar, por quatro meses, a aplicação da referida disposição fiscal. E, aparentemente, tal prazo destinava-se a corrigir a própria disposição, tendo em vista lutar contra a evasão fiscal sem cometer iniquidades maiores do que ela. Porém, o Ministro da Economia acaba de ter uma intervenção pública que reactivou todos os sinais vermelhos que o pagamento especial por conta do IRC para o corrente ano tinha acendido. Disse ele que o adiamento de quatro meses se destinava, cito, "a ajudar as empresas nesta conjuntura económica difícil". Expressão que faz presumir que, escoados os quatro meses, a medida será reposta tal como foi inicialmente concebida.
Esta presunção colhe, aliás, um reforço significativo quando é carreada para a opinião pública a informação de que a Comunidade Europeia, congratulando-se embora com o sucesso português na redução do défice orçamental em 2002, incentiva o Governo Português a impôr ainda mais sacrifícios.
É necessário que os empresários portugueses, sobretudo os pequenos e médios, não adormeçam sobre o adiamento. Porque, de repente, ver-se-ão confrontados com a necessidade de cumprir a nefanda disposição fiscal sem apelo nem agravo. É necessário manter a pressão e exigir do Governo a clarificação antecipada da referida disposição. Sem esperar pela última hora. As consquências de tal disposição serão extremamente graves para todos. É tempo de dizer ao Governo que não pode actuar apenas pelo lado da receita. E que, se é necessário encolher, que se encolha onde mais se pode esperar. Manter as empresas a funcionar, nesta conjuntura difícil de desemprego crescente, em que os pequenos empresários fazem milagres para manter as suas portas abertas, é mais importante do que ter submarinos ou aviões. Temos compromissos internacionais, é certo. Mas os nossos compromissos internacionais não podem sobrepor-se às nossas necessidades NACIONAIS.
O que acima deixo dito, sobretudo se acompanhado de uma firme atitude dos pequenos empresários, deve também constituir um sério aviso ao Governo. Se persistir na implementação do pagamento especial por conta do IRC, tal como está previsto, vai defrontar-se com uma situação muito grave. Todas as hipóteses são de possíveis:
. ou o desemprego aumentará seriamente, aprofundando a crise em que vivemos;
. ou as dívidas fiscais aumentarão incomensuravelmente;
. ou haverá mesmo uma revolta fiscal, atingindo não apenas o pagamento especial por conta, mas também outros impostos.
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Excerto da crónica PREOCUPAÇÃO - Magalhães Pinto - "Vida Económica" - 23/2/2003
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