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22.4.07

A DUVIDA - 44º. fasciculo

(continuação)

As possibilidades de convivência eram, para Maria do Céu, praticamente nulas. Aparentemente, tinha abandonado o seu círculo anterior de relações. Por duas ou três vezes, eu deixara cair na conversa os nomes de Sueli e de Zélia. A sua reacção fora a de quem delas nada sabia há muito tempo. E também não era eu, com a minha vida solitária, a poder proporcionar-lhe a oportunidade de evasão no relacionamento com outras pessoas, susceptível de constituir o contraponto, o equilíbrio, para as suas longas horas de espera, apenas parcialmente compensadas pela minha companhia.


Depois veio aquela noite da ida ao cinema, Maria do Céu... Nessa noite, enquanto esperava por ti, inquieto, furioso pela tua ausência, preparando os argumentos de censura que haverias de me ouvir logo chegasses, uma réstea de compreensão para a tua atitude despontava em mim, penosamente acompanhada dum remorso ainda mal definido. Se bem me recordo, dei por mim a interrogar-me se a situação por ti vivida não resultava dum desejo meu de te guardar, só para mim e se, com tal atitude, eu não estaria, cruelmente, a sujeitar-te a um fadário ainda maior do que aquele ao qual almejava arrancar-te. Naquela noite, pela primeira vez, não soube destrinçar se o meu interesse por ti era altruísta ou egoísta, se eras o centro das minhas atenções ou o perímetro da minha vontade. Insensívelmente, não estaria eu a começar a agir e a reagir motivado pelos meus próprios desejos e ambições? Afinal, que raio de vida te estava eu a propiciar? Uma gaiola, donde não podias sair sem uma trela, firme e curta, a cingir-te a gola da alma? Uma montra fechada, de cortinas corridas, na qual, se bem que protegida das dedadas sebentas de mãos sujas passantes, só eu te podia ver e só a mim tu vislumbravas, fugidiamente, ao fim de todos os dias? Teria eu libertado o teu corpo para te acorrentar a alma? Serias tu mais feliz - ou menos infeliz - assim? Não sabia, então. Naquela noite, o meu entendimento perdia-se, encurralado, às voltas sobre si próprio, como cão endoidecido, açulado por uma ideia fixa, qual azorrague duro a estralejar-me nas fontes: eu chegara a casa e tu não estavas! E, embora me dissesses num papel, lido um milhão de vezes, que tinhas ido ao cinema, eu não sabia onde tu estavas. Isto é, eu não "via" onde tu estavas àquela hora. Nem como estavas. Nem com quem estavas. Nada. Só sabia que não estavas ali!
(continua)
Magalhães Pinto

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