(continuação)
Às onze da noite, já estava eu no restaurante, em frente dum copo de cerveja intocado, para assistir à rendição do turno. Um a um, os empregados foram recusando a lembrança de qualquer par de senhoras que por lá tivesse estado, na véspera à noite. Se eu não sabia a mesa, o melhor era a minha mulher ir lá, podia tal avivar a recordação do empregado que a servira e, quem sabe, talvez até ele se lembrasse de quem ocupara, em seguida, a mesma mesa. Mas duas senhoras, sózinhas, à noite, a comer cachorros... Teríamos notado logo... A que horas foi? Não é costume vermos aqui senhoras sózinhas a essa hora! Só quando são aí da vida, a meter gasolina para fazerem mais uns quilómetros... Hihihi!... com o piri-piri que pomos nos cachorros, se calhar é alguma receita secreta para doçuras mais picantes... A alarvidade nem me preocupou, contra o meu costume. Só me interessava, exclusivamente, obcecadamente, confirmar a história de Maria do Céu. Não, decididamente, nenhum deles as tinha visto. E, além disso, a verdade é que não aparecera nenhum isqueiro.
Não fui logo para casa, nesse dia, Maria do Céu. Vagueei, perdido em mil conjecturas, por ruas que já nem lembro. Era para mim definitivamente assente teres-me mentido. Porquê? Para quê? Uma coisa eram os meus sentimentos, nessa altura ainda desconhecidos para ti, por não saber das tuas andanças. Outra coisa a tua relação comigo, gaiola de que tinhas a chave na tua mão, Maria do Céu. Para fazeres aquilo que muito bem te apetecesse, sem teres de dar-me explicações. Porquê, então? E sabes outra coisa? Embora sem o perceber na altura - só mais tarde se transformaria em grito - a minha inteligência violada rumorejava uma surda raiva, à medida que juntava as peças da tua história. Sueli, sózinha no cinema?! A última coisa a esperar dela! Sueli nunca estava só! Tu, a veres correr, durante perto de hora e meia, sem prestares atenção, as cenas duma história dramática, semelhante, por certo, a outras que tanto te atraíam? Impossível! E, ainda por cima, não estiveras no restaurante! Porquê a história inventada? Que poderias ter feito de tão grave para não ser contado, a mim, que te trouxera do "Borboleta"?
(continua)
Magalhães Pinto
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