. . . OS SINAIS DO NOSSO TEMPO, NUM REGISTO DESPRETENSIOSO, BEM HUMORADO POR VEZES E SEMPRE CRÍTICO. . .
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30.6.07
LIBERDADE DE OPINIAO
LIBERDADE DE EXPRESSAO
O CASO DE VIEIRA DO MINHO NÃO FOI O PRIMEIRO E, SE NADA FIZERMOS, NÃO SERÁ SEGURAMENTE O ÚLTIMO. TEMOS O DEVER DE, DEFENDENDO MARIA CELESTE CARDOSO, DEFENDERMOS A NOSSA PRÓPRIA LIBERDADE. POR ISSO:
É necessário e urgente defender a liberdade de expressão.
É necessário e urgente defender a liberdade de opinião.
É necessário e urgente acabar com o clima de delação que anima as hostes governamentais.
É necessário e urgente derrubar a arrogância de todos aqueles que trabalham devido e para o Partido nas funções governamentais.
É necessário e urgente recuperar a dignidade democratica de gente livre.
É necessário e urgente estar de pé quando muitos se ajoelham.
É necessário e urgente dizer NÃO!
DEIXE AQUI A SUA MENSAGEM DE APOIO, POR MEIO DE UM COMENTÁRIO. E ENVIE ESTA POSTAGEM AOS AMIGOS, BASTANDO PARA ISSO CLICAR NO SOBRESCRITO MOSTRADO NO RODAPÉ DO POST E ENDEREÇAR.
(Imagem de jn.pt - lisa soares)
PERGUNTAS SEM RESPOSTA
FRASE DO DIA
PENSAMENTO DO DIA
29.6.07
A DUVIDA - 110º. fascículo
(continuação)
Tinha começado de cima para baixo. Ia já no quarto andar e a esperança de vir a saber alguma coisa decrescia ao ritmo dos andares visitados. Apenas por método, entrei naquele consultório médico. Dirigi-me à recepcionista, com a ladaínha costumeira. Olhou a fotografia e respondeu imediatamente. Aquela cliente tinha lá estado há dois ou três dias, pela primeira vez. Ora deixa ver aqui na agenda.... foi anteontem, sim senhor. Creio ser esta. Maria do Céu Silva. Fiquei a olhar para ela, atónito, subitamente sem ter nada para dizer. Liquefeita, a dúvida escorria pelas paredes do meu espírito, arrastando todos os laivos de inteligência. Nem me lembrei de perguntar se sabiam onde morava a cliente, quanto mais não fosse para disfarçar. E sabia que não podia perguntar o porquê da sua ida ali, não me diriam nada. Por fim, balbuciei qualquer coisa, a custo engendrada pelo meu cérebro confuso. Não, não tinha marcado nova consulta. Deixei o número do telefone do jornal e o meu nome, para fazerem o favor de me prevenirem, se por lá aparecesse outra vez. Agradeci e saí. No corredor, olhei para a tabuleta com o nome do médico e a sua especialidade. Confusão, só confusão. "Mário Salcedas - Ginecologista".
(continua)
Magalhães Pinto
Tinha começado de cima para baixo. Ia já no quarto andar e a esperança de vir a saber alguma coisa decrescia ao ritmo dos andares visitados. Apenas por método, entrei naquele consultório médico. Dirigi-me à recepcionista, com a ladaínha costumeira. Olhou a fotografia e respondeu imediatamente. Aquela cliente tinha lá estado há dois ou três dias, pela primeira vez. Ora deixa ver aqui na agenda.... foi anteontem, sim senhor. Creio ser esta. Maria do Céu Silva. Fiquei a olhar para ela, atónito, subitamente sem ter nada para dizer. Liquefeita, a dúvida escorria pelas paredes do meu espírito, arrastando todos os laivos de inteligência. Nem me lembrei de perguntar se sabiam onde morava a cliente, quanto mais não fosse para disfarçar. E sabia que não podia perguntar o porquê da sua ida ali, não me diriam nada. Por fim, balbuciei qualquer coisa, a custo engendrada pelo meu cérebro confuso. Não, não tinha marcado nova consulta. Deixei o número do telefone do jornal e o meu nome, para fazerem o favor de me prevenirem, se por lá aparecesse outra vez. Agradeci e saí. No corredor, olhei para a tabuleta com o nome do médico e a sua especialidade. Confusão, só confusão. "Mário Salcedas - Ginecologista".
(continua)
Magalhães Pinto
UMA PRESIDÊNCIA EXEMPLAR
Deveres do Presidente da República:
...
Defender o cumprimento da Constituição da República Portuguesa.
***
Constituição da República:
Direitos dos cidadãos:
...
Liberdade de expressão e de opinião.
Ninguém pode ser perseguido devido às suas opiniões.
***
CONCLUSÃO
Charrua. Maria Celeste. Lei da Imprensa. E outros.
Este Presidente está a ser exemplar!...
FRASE DO DIA (I)
"Maria Celeste Cardoso não reune as condições para garantir a observação das orientações superiormente dadas para prossecução e implementação das políticas desenvolvidas pelo Ministério da Saúde."
Despacho de Correia de Campos - Ministro da Saúde - "Público" - 29/6/2007
***
A superior orientação foi, ao que parece, a de remover uma fotocópia de uma notícia (verdadeira) sobre uma frase do Ministro a propósito do encerramento dos SAP. É caso para dizer: estamos a brincar ou vamos arrancar cartazes?...
FRASE DO DIA (II)
"Os SAP (Serviços de Atendimento Permanente) não têm utilidade para salvar vidas e se eu tivesse a minha própria vida em perigo nunca recorreria a um SAP."
Correia de Campos - Frase constante de uma notícia cuja cópia foi afixada por um médico do Centro de Saúde de Vieira do Minho e que conduziu à exoneração compulsiva da respectiva directora, Maria Celeste Cardoso.
***
Depende. Se a doença do Ministro fosse a Alzheimer, talvez valesse a pena...
PENSAMENTO DO DIA
28.6.07
MEMORIA
Estou relativamente à vontade para escrever estas minhas notas de hoje. Tenho sido bastante severo – embora justificadamente, na minha opinião – para com os funcionários públicos. Designadamente para com os servidores da Administração Fiscal. Quando há poucas semanas aqui falei da prescrição de dívidas fiscais no valor de várias dezenas de milhão de contos, um deles comentava, amargamente, que embora eu tivesse razão nas minhas afirmações, também era necessário estar atento a se os trabalhadores da Administração Fiscal dispõem de condições para que tal não suceda. O caso de que hoje vou falar mostra até que ponto esse meu interlocutor tem razão.
Durante largos anos, a Administração Fiscal recorreu ao trabalho de centenas de técnicos fiscais que não pertenciam aos seus quadros. É a conhecida situação de trabalho a recibos verdes. Que se manteve por muitos anos. Até que o Governo anterior decidiu – e justamente – colocar fim a tal situação. Se os trabalhadores contratados da Administração Fiscal prestavam trabalho reiteradamente, ano após ano, deveriam era pertencer ao quadro. Depois, abriu concurso para preencher vagas no quadro de Técnicos de 1ª. Classe da Administração Fiscal. Concurso que se realizou. Porém, para mal de todos os concorrentes a esse concurso, descobriu-se que, no mesmo, tinha havido batota por parte de alguns concorrentes. Na região de Setúbal. Averiguados os factos, a Administração Fiscal decidiu anular o concurso. Abrindo novo. Ficando todos aqueles que concorreram ao primeiro e justamente passados no exame impedidos de ocupar os lugares em aberto.
Aqui verifica-se um primeiro erro monumental da Administração. O natural é que fossem impiedosamente excluídos de acesso ao preenchimento das vagas os concorrentes batoteiros. Mas não foi isso que aconteceu. Todos os concorrentes, a maioria dos quais depois de se prepararem, com grande esforço, para o exame respectivo, ficarem com a sua situação suspensa de novo exame. O que virá a determinar uma grande trapalhada. Aberto o concurso de "substituição" do primeiro, alguns concorrentes a este decidiram impugnar judicialmente a decisão da Administração. Pedindo a suspensão do segundo exame, por razões cautelares. Na sua opinião, que nos parece adequada, só tinham que ser eliminados do primeiro exame os batoteiros. E não todos.
A situação, relativamente àqueles dois exames, encontra-se indefinida portanto. E suspensa de uma decisão judicial que pode demorar anos. Uma trapalhada, já de si. Mas para que a "pintura" fica um primor, haveria de acontecer ainda uma outra decisão que, presumivelmente, será polémica e, nos seus contornos, arrasantes da atitude da Administração Fiscal. Foi a decisão de lançar novo concurso. Ao qual têm acesso não apenas aqueles concorrentes que só agora satisfazem as condições do concurso, mas também todos aqueles que concorreram ao primeiro e ao segundo acima referidos, dado que não têm a sua situação ainda definida.
Está a ver-se no que isto vai dar. Os concorrentes porventura mais mal classificados neste terceiro do que nos anteriores, não vão estar de acordo. A possibilidade de novas impugnações é gigantesca. Para muitos será o seu terceiro concurso sem resultado. O primeiro foi anulado. O segundo está suspenso de decisão judicial. O terceiro vamos a ver.
Mas se o meu Leitor pensa que as trapalhadas acabaram aqui, desengane-se. A anedota maior está por contar.
A matéria de exame para este terceiro concurso foi fixada em 30.6.2000. Há mais de dois anos, portanto. Durante este período de dois anos, verificaram-se enormes alterações nas Leis Fiscais. Seja por força da Reforma Fiscal parcial verificada, seja por força do aparecimento do Euro, seja peça normal evolução das leis. Grande parte da matéria inicialmente fixada foi já revogada. Naturalmente, os potenciais concorrentes – recorde-se, funcionários da Administração Fiscal - abandonaram não apenas o uso da antiga matéria como deixaram, mesmo de estudá-la. Fixada a data do exame do terceiro concurso para dentro em breve, os potenciais concorrentes tentaram, naturalmente, saber qual era a matéria para tal exame. Já decorreram mais de dois anos sobre a fixação inicial. E, surpreendentemente, foram informados por e-mail, de que se mantinha para exame a legislação fiscal inicialmente fixada, independentemente de ter sido revogada ou não. Isto é, os examinandos vão ter que usar, nas suas respostas, matéria revogada cujo uso e estudo entretanto haviam abandonado. Baseados numa lógica que parece ser normal para toda a gente. Excepto para a Administração Fiscal. Abrindo-se, assim, a porta para novas impugnações.
É fácil imaginar o estado de espírito, a desmotivação, a desorientação, daqueles que têm por principal obrigação fazer funcionar a máquina fiscal. Alguém pode legitimamente admirar-se e indignar-se com o facto de esses servidores públicos cumprirem deficientemente a sua funçao? Pode legitimamente exigir-se o seu empenho? Ao tomar conhecimento destes factos, invadiu-me um suave sentimento de remorso. Ando para aqui a dizer que eles não cumprem, quando devia olhar um pouco mais para cima. Dos chefes, de quem decide, há-de exigir-se um rigor bastante maior do que aos executantes. A eles se hão-de pedir decisões que não deixem os subordinados desorientados, desmotivados, tristes com o seu destino.
E que se há-de dizer da peregrina decisão de usar, em exames da função pública para avaliar da competência teórica dos concorrentes, sobre leis que já não se encontram em vigor? Para que serve isso? A quem serve isso? Os quadros técnicos da Administração Fiscal estão transformados em eternos estudantes de história fiscal arcaica em lugar de cobrarem os impostos. Há razão para nos admirarmos de a situação fiscal no país ser o que é? Vai ser ainda pior se não houver coragem para dar uma vassourada nisto tudo e reformar a Administração Fiscal. A começar pelos autores de ideias tão incompreensíveis como as que fui descrevendo ao longo destas notas.
Uma última observação. Os funcionários da Administração Fiscal, para estarem bem preparados para o cumprimento das suas funções, não apenas em exame mas no seu dia a dia, necessitam de ter sempre à mão os Códigos dos Impostos. É a sua bíblia de bons praticantes. É o seu manual de comportamento. E, como a Administração lhos não fornece, hão-de adquiri-los. Pois bem, O Fisco, muitas vezes pródigo em conceder benefícios e deduções que tragam benefícios eleitorais aos partidos de governo, não permitem, aos funcionários, nem sequer o desconto das despesas feitas para bem servirem o Estado, como é a aquisição dos Códigos dos diferentes impostos.
É evidente que devemos ser exigentes para com os funcionários públicos. Têm privilégios que os outros trabalhadores não têm. Reforma por inteiro, emprego vitalício. Mas havemos de convir que, num quadro como o que aqui fica descrito, não se pode fazê-lo com inteira propriedade.
Crónica EXAME RETROACTIVO - Magalhães Pinto - "VIDA ECONÓMICA" - 22/9/2002
A DUVIDA - 109º. fascículo
(continuação)
A minha busca desesperada, no prédio de Gonçalo Cristóvão, pareceu não ter fim, Maria do Céu. Sentia uma fadiga enorme. Mas não no corpo. Esse parecia uma nuvem de tempestade, antes da ejaculação eléctrica. Um redemoínho de nervos, de ansiedade. Mas aquele se, enorme, agigantado a cada instante, parecia ter-se incrustado em cada circunvolução do meu cérebro. A imaginação, de fatigada, dava voltas sobre si mesmo, retornando ao ponto de partida a cada andar cumprido. Creio ter perdido, mesmo, o sentido do real. Não era já uma alma desperta, atenta, crítica, sedenta de verdade. Era uma máquina em movimento eterno, apesar de inanimada. À força dos gestos repetidos, o significado do meu acto fora alienado. Rafeiro sem faro, pensava eu, perseguia uma presa inexistente feita de odores por inventar.
Obstinado, prossegui a pesquisa. De fotografia na mão. Sabe, é uma conterrânea de quem ando à procura e que me disseram trabalha ou trabalhou aqui. Não?... Nunca a viu? Nem nas escadas ou nos elevadores? Obrigado... Uma vez. Outra. Outra ainda. Dez vezes. Quarenta. No escritório de um dos advogados que exercia no prédio, cheguei a ter uma réstea de esperança, quando a recepcionista vacilou, mirou e remirou a fotografia. Não me é de todo estranha, esta cara. Onde foi, Helena, que tu já a viste, onde foi? Não... deve ser engano. Aquela cara era parecida com uma cliente, visita do escritório por via do seu divórcio. Vira-a, pela última vez, já há mais de três meses. Nunca há dois ou três dias.
(continua)
Magalhães Pinto
A minha busca desesperada, no prédio de Gonçalo Cristóvão, pareceu não ter fim, Maria do Céu. Sentia uma fadiga enorme. Mas não no corpo. Esse parecia uma nuvem de tempestade, antes da ejaculação eléctrica. Um redemoínho de nervos, de ansiedade. Mas aquele se, enorme, agigantado a cada instante, parecia ter-se incrustado em cada circunvolução do meu cérebro. A imaginação, de fatigada, dava voltas sobre si mesmo, retornando ao ponto de partida a cada andar cumprido. Creio ter perdido, mesmo, o sentido do real. Não era já uma alma desperta, atenta, crítica, sedenta de verdade. Era uma máquina em movimento eterno, apesar de inanimada. À força dos gestos repetidos, o significado do meu acto fora alienado. Rafeiro sem faro, pensava eu, perseguia uma presa inexistente feita de odores por inventar.
Obstinado, prossegui a pesquisa. De fotografia na mão. Sabe, é uma conterrânea de quem ando à procura e que me disseram trabalha ou trabalhou aqui. Não?... Nunca a viu? Nem nas escadas ou nos elevadores? Obrigado... Uma vez. Outra. Outra ainda. Dez vezes. Quarenta. No escritório de um dos advogados que exercia no prédio, cheguei a ter uma réstea de esperança, quando a recepcionista vacilou, mirou e remirou a fotografia. Não me é de todo estranha, esta cara. Onde foi, Helena, que tu já a viste, onde foi? Não... deve ser engano. Aquela cara era parecida com uma cliente, visita do escritório por via do seu divórcio. Vira-a, pela última vez, já há mais de três meses. Nunca há dois ou três dias.
(continua)
Magalhães Pinto
BOATO
PENSAMENTO DO DIA
FRASE DO DIA
A DUVIDA - 108º. fascículo
(continuação)
Decidi-me, já a noite tinha avançado. No dia seguinte iria percorrer todos os apartamentos daquele prédio, de fotografia na mão, perguntando por Maria do Céu. Alguém havia de conhecê-la. Se não encontrasse nenhuma explicação pelos meus próprios meios, enfrentá-la-ia. Com a consciência pesada pelos actos de deslealdade cometidos. Com a atenuante da inexistência duma explicação. Algo mais tranquilo, por ter encontrado um modo de apaziguar, nem que fosse por uma noite, o meu estado de espírito. Arrumei os papéis sem despacho, apaguei a luz e fui para casa.
Maria do Céu estava já na cama. Ou não dormia ainda ou acordou, quando entrei. Felizmente, andava pouco faladora. Não me apetecia conversar.
XX
O dia seguinte foi uma via sacra. Dezassete andares, a seis apartamentos por andar. Via sacra de um crucificado no seu calvário. Por uma informação. Bati à porta de todos. Menos um, o da Dona Néné, no qual não bati, naturalmente. Alguns permaneceram irritantemente silenciosos face ao meu apelo. Ou desabitados ou de locatários ausentes. De cada vez que não obtinha senão o silêncio como resposta, não evitava a lembrança de poder ter sido naquele que Maria do Céu estivera. Esmiuçava a porta, os tapetes, quando existiam, na tentativa de ver algum sinal de movimento recente. Tinha a sensação de estar a mergulhar num lodaçal sem fundo, areias movediças por mim inventadas para nelas soçobrar. E se eu chegasse ao fim daquela pesquisa sem ter localizado o destino de Maria do Céu quando entrara naquele edifício? E se o Marques tivesse confundido qualquer outra mulher com Maria do Céu? E se o Marques me tivesse mentido, como eu chegara a desejar? E se... O meu pensamento era um grande se, quase só com reticências por acompanhamento...
(continua)
Magalhães Pinto
Decidi-me, já a noite tinha avançado. No dia seguinte iria percorrer todos os apartamentos daquele prédio, de fotografia na mão, perguntando por Maria do Céu. Alguém havia de conhecê-la. Se não encontrasse nenhuma explicação pelos meus próprios meios, enfrentá-la-ia. Com a consciência pesada pelos actos de deslealdade cometidos. Com a atenuante da inexistência duma explicação. Algo mais tranquilo, por ter encontrado um modo de apaziguar, nem que fosse por uma noite, o meu estado de espírito. Arrumei os papéis sem despacho, apaguei a luz e fui para casa.
Maria do Céu estava já na cama. Ou não dormia ainda ou acordou, quando entrei. Felizmente, andava pouco faladora. Não me apetecia conversar.
XX
O dia seguinte foi uma via sacra. Dezassete andares, a seis apartamentos por andar. Via sacra de um crucificado no seu calvário. Por uma informação. Bati à porta de todos. Menos um, o da Dona Néné, no qual não bati, naturalmente. Alguns permaneceram irritantemente silenciosos face ao meu apelo. Ou desabitados ou de locatários ausentes. De cada vez que não obtinha senão o silêncio como resposta, não evitava a lembrança de poder ter sido naquele que Maria do Céu estivera. Esmiuçava a porta, os tapetes, quando existiam, na tentativa de ver algum sinal de movimento recente. Tinha a sensação de estar a mergulhar num lodaçal sem fundo, areias movediças por mim inventadas para nelas soçobrar. E se eu chegasse ao fim daquela pesquisa sem ter localizado o destino de Maria do Céu quando entrara naquele edifício? E se o Marques tivesse confundido qualquer outra mulher com Maria do Céu? E se o Marques me tivesse mentido, como eu chegara a desejar? E se... O meu pensamento era um grande se, quase só com reticências por acompanhamento...
(continua)
Magalhães Pinto
27.6.07
FRASE DO DIA
PENSAMENTO DO DIA
PENSAMENTO DO DIA
A DUVIDA - 107º. fascículo
(continuação)
Nunca entendera um tornado, Maria do Céu, aquele turbilhão, aquele redemoínho de ar, sugando tudo na sua passagem. Quando saí do apartamento da Dona Néné, eu era um tornado. Rodopiava intensamente entre a alegria de estar enganado e a dúvida do que foras fazer àquele prédio, agora agigantada pelo desaparecimento duma explicação. Em meu redor, tudo parecia tranquilo. As pessoas caminhavam naturalmente, a caminho dos seus destinos, indiferentes, seguras, serenas. Só eu me desfazia num tornado de pensamentos sem sentido, desaparecendo no infinito da confusão. Não tinha vontade de ir para casa, para junto de ti, Maria do Céu. Já nem sei se era por temer mostrar a minha vergonha, tantas coisas más pensara de ti injustamente, se era por ter a certeza de não poder resistir a quebrar as minhas promessas, interrogando-te directamente sobre o assunto. Como poderia fazê-lo sem te revelar a contratação do vigilante? Como te falaria no assunto sem te revelar a desconfiança de que eras objecto?
Fui para o jornal. Pôr em ordem as minhas ideias. Aos poucos, a dúvida sobre as razões da presença de Maria do Céu naquele prédio foi-se sobrepondo à certeza de nada ter a ver com a Dona Néné. Ou esclarecia a dúvida ou daria em louco. Sentia-a morder-me o peito, como se fosse uma víbora, cancro insidioso a ferir e a doer, sem matar nem morrer. Bicho monstruoso, a dúvida. Bizarro. A maior parte das coisas que fazemos, ou pensamos, ou dizemos, tem uma explicação simples e límpida, no contexto do nosso próprio ser. Vistas do exterior, podem ser misteriosas, estranhas, inexplicáveis. Num lampejo, atravessou-me a mente o pensamento de que ia achar extremamente natural todo o comportamento de Maria do Céu, assim soubesse as suas razões para ir ali. Mas foi apenas um lampejo, logo absorvido, triturado, devorado, pela mesma pergunta insidiosa; porquê, porquê, para quê. Por mais voltas dadas aos meus pensamentos, cada porta aberta fechava a anterior, numa cornucópia labiríntica, da qual não conseguia sair, tijolos de negrume aos milhares, a taparem cada brecha rasgada na minha dúvida.
(continua)
Magalhães Pinto
Nunca entendera um tornado, Maria do Céu, aquele turbilhão, aquele redemoínho de ar, sugando tudo na sua passagem. Quando saí do apartamento da Dona Néné, eu era um tornado. Rodopiava intensamente entre a alegria de estar enganado e a dúvida do que foras fazer àquele prédio, agora agigantada pelo desaparecimento duma explicação. Em meu redor, tudo parecia tranquilo. As pessoas caminhavam naturalmente, a caminho dos seus destinos, indiferentes, seguras, serenas. Só eu me desfazia num tornado de pensamentos sem sentido, desaparecendo no infinito da confusão. Não tinha vontade de ir para casa, para junto de ti, Maria do Céu. Já nem sei se era por temer mostrar a minha vergonha, tantas coisas más pensara de ti injustamente, se era por ter a certeza de não poder resistir a quebrar as minhas promessas, interrogando-te directamente sobre o assunto. Como poderia fazê-lo sem te revelar a contratação do vigilante? Como te falaria no assunto sem te revelar a desconfiança de que eras objecto?
Fui para o jornal. Pôr em ordem as minhas ideias. Aos poucos, a dúvida sobre as razões da presença de Maria do Céu naquele prédio foi-se sobrepondo à certeza de nada ter a ver com a Dona Néné. Ou esclarecia a dúvida ou daria em louco. Sentia-a morder-me o peito, como se fosse uma víbora, cancro insidioso a ferir e a doer, sem matar nem morrer. Bicho monstruoso, a dúvida. Bizarro. A maior parte das coisas que fazemos, ou pensamos, ou dizemos, tem uma explicação simples e límpida, no contexto do nosso próprio ser. Vistas do exterior, podem ser misteriosas, estranhas, inexplicáveis. Num lampejo, atravessou-me a mente o pensamento de que ia achar extremamente natural todo o comportamento de Maria do Céu, assim soubesse as suas razões para ir ali. Mas foi apenas um lampejo, logo absorvido, triturado, devorado, pela mesma pergunta insidiosa; porquê, porquê, para quê. Por mais voltas dadas aos meus pensamentos, cada porta aberta fechava a anterior, numa cornucópia labiríntica, da qual não conseguia sair, tijolos de negrume aos milhares, a taparem cada brecha rasgada na minha dúvida.
(continua)
Magalhães Pinto
25.6.07
PERGUNTAS SEM RESPOSTA
PENSAMENTO DO DIA
FRASE DO DIA
A DUVIDA - 106º. fascículo
(continuação)
A Dona Néné abriu-me a porta do apartamento. Atarracada. De chinelos e bata, ar de dona de casa afadigada na lide. Fui... fui eu que passei agora mesmo lá por cima. Introduziu-me numa sala pequena, televisão ligada, meia dúzia de revistas espalhadas em cima duma mesa de madeira barata. Duas raparigas, ainda novas, saia muito curta, perna cruzada, a mostrarem generosamente a mercadoria. Podia escolher. Sentei-me e acendi um cigarro. Folheei as revistas. Todas antigas. Todas com mulheres em fato de banho, seios meio nus na capa. Incentivo ao consumo. As raparigas olhavam-me com desfaçatez e um sorriso cúmplice a dançar-lhes no rosto. Sabiam estar em competição uma com a outra. Mas a disciplina da profissão obrigava-as a não ultrapassarem as regras duma sã concorrência.
Chamei a Dona Néné. Não era bem aquilo o pretendido por mim. Um amigo tinha-me falado duma tal Maria do Céu. Seria o máximo. E eu gostaria de experimentar. Agora, se possível, ou mais tarde. Não conhece nenhuma com esse nome? Olhe, tenho até aqui uma fotografia, emprestada pelo meu amigo. Um momento... É esta. Não. A Dona Néné nunca tinha visto aquela cara. Se o meu amigo ma recomendara, devia tê-la encontrado noutro sítio. Aquela rapariga nunca passara por ali. Abalado na convicção íntima de estar prestes a encontrar-me com Maria do Céu, perdi o acanhamento. Olhei-a fixamente, duvidando. Quase gritei, ao insistir. Tem a certeza?. O meu amigo afirmou-me que a encontraria aqui. A negativa foi firme. Era visível a sinceridade, pese embora a dissimulação ser a vestimenta diária de toda aquela gente. Ainda fiz uma última tentativa. Escolhi uma das raparigas e fui com ela para o quarto. Mostrei-lhe a fotografia. Nunca tinha visto aquela mulher. Gratifiquei-a generosamente, mesmo antes da prestação de serviços, não fora ela estar a confirmar a patroa com medo de represálias. Assegurei-lhe o segredo. Já não não queria ver Maria do Céu. Bastar-me-ia a confirmação da sua passagem por ali. Continuou a negar. E atirou-se ao trabalho. Esforçou-se por me excitar, encostando-se a mim, de modo provocante, mas em vão. A minha cabeça parecia um mercado de peixe na hora de descarregar, nada parecia estar no seu lugar. Mandei-a parar. Obedeceu a contragosto. Era uma profissional briosa. Era paga para atingir um objectivo e não lhe agradava ficar a meio da tarefa. Paguei à Dona Néné e saí.
(continua)
Magalhães Pinto
A Dona Néné abriu-me a porta do apartamento. Atarracada. De chinelos e bata, ar de dona de casa afadigada na lide. Fui... fui eu que passei agora mesmo lá por cima. Introduziu-me numa sala pequena, televisão ligada, meia dúzia de revistas espalhadas em cima duma mesa de madeira barata. Duas raparigas, ainda novas, saia muito curta, perna cruzada, a mostrarem generosamente a mercadoria. Podia escolher. Sentei-me e acendi um cigarro. Folheei as revistas. Todas antigas. Todas com mulheres em fato de banho, seios meio nus na capa. Incentivo ao consumo. As raparigas olhavam-me com desfaçatez e um sorriso cúmplice a dançar-lhes no rosto. Sabiam estar em competição uma com a outra. Mas a disciplina da profissão obrigava-as a não ultrapassarem as regras duma sã concorrência.
Chamei a Dona Néné. Não era bem aquilo o pretendido por mim. Um amigo tinha-me falado duma tal Maria do Céu. Seria o máximo. E eu gostaria de experimentar. Agora, se possível, ou mais tarde. Não conhece nenhuma com esse nome? Olhe, tenho até aqui uma fotografia, emprestada pelo meu amigo. Um momento... É esta. Não. A Dona Néné nunca tinha visto aquela cara. Se o meu amigo ma recomendara, devia tê-la encontrado noutro sítio. Aquela rapariga nunca passara por ali. Abalado na convicção íntima de estar prestes a encontrar-me com Maria do Céu, perdi o acanhamento. Olhei-a fixamente, duvidando. Quase gritei, ao insistir. Tem a certeza?. O meu amigo afirmou-me que a encontraria aqui. A negativa foi firme. Era visível a sinceridade, pese embora a dissimulação ser a vestimenta diária de toda aquela gente. Ainda fiz uma última tentativa. Escolhi uma das raparigas e fui com ela para o quarto. Mostrei-lhe a fotografia. Nunca tinha visto aquela mulher. Gratifiquei-a generosamente, mesmo antes da prestação de serviços, não fora ela estar a confirmar a patroa com medo de represálias. Assegurei-lhe o segredo. Já não não queria ver Maria do Céu. Bastar-me-ia a confirmação da sua passagem por ali. Continuou a negar. E atirou-se ao trabalho. Esforçou-se por me excitar, encostando-se a mim, de modo provocante, mas em vão. A minha cabeça parecia um mercado de peixe na hora de descarregar, nada parecia estar no seu lugar. Mandei-a parar. Obedeceu a contragosto. Era uma profissional briosa. Era paga para atingir um objectivo e não lhe agradava ficar a meio da tarefa. Paguei à Dona Néné e saí.
(continua)
Magalhães Pinto
PENSAMENTO DO DIA
No meio da confusão que é o financiamento e sustentabilidade do Serviço Nacional de Saúde, surgem propostas tão bizarras como as de limitar as consultas financiadas pelo Estado a três consultas por trimestre por pessoa. Já só faltava esta. Doenças, só por decreto. Sem perceber que, para uma pessoa, o relevante não é estar realmente doente, é acreditar que está doente.
FRASE DO DIA
"Não se indemniza uma criança que não teve educação adequada, pois perdeu-a para sempre."
Fernando Adão da Fonseca - Presidente do Forum para a Liberdade da Educação - "Público" - 25/6/2007
***
... e não só por isso... O OGE também não tem capacidade para indemnizar TODOS os portugueses com menos de trinta anos...
24.6.07
CRONICA DA SEMANA (I)
Dentro do automóvel, vinha um casal e um pequeno cão. Cadela, vim a saber mais tarde. O condutor parou o veículo. Dorogou-se à porta de trás. Abriu-a. Tirou o cão para fora do automóvel. Puxando-o por uma trela. Soltou-o. Não se deu ao trabalho de lhe retirar a coleira. Solto, o cão - que eu viria depois a saber ser uma cadela, foi ao encontro da árvore mais próxima. Cheirou-a. Recheirou-a. E aninhou-se para urinar. Foi então que soube ser uma cadela. O dono voltou a entrar no carro. Se olhou para trás, foi pelo retrovisor, porque não voltou a cabeça por um momento sequer. Arrancou. A cadela pareceu não dar por isso. Andou por ali. Na manhã seguinte, via no jardim do meu prédio. Começou a fazer de um recanto a sua casa. A comer do que caía. Foi emagrecendo.
Mas há muitos cães vadios por esta zona. Ou semi-vadios, o que dá no mesmo. O cio deve ter chegado, se é que não estava já na cadelita. Resultado: três rebentos. Cadelas também, todas. Quando chegaram, o corpo da cadela era um crivo já. De carraças. Engordando à custa do seu sangue. Recriando-se. Enquanto a cadelita abandonada ladrava a quem ousava aproximar-se das filhas. Pequenota, parecia, à força de gritar, brava como uma leoa. Na vizinhança, para quem a história do abandono era conhecida, todos se compadeciam da sorte do bicho. Mas não tinham outra solução. O máximo que podiam fazer era ir dando de comer à família alargada. Que os pais dos jovens canídeos não estavam para preocupações, como usa ser com todos os vadios. Ou semi-vadios, o que dá no mesmo.
***
Enquanto isto se passava, uma outra família, longe dali, estva preocupadíssima com o último rebento da família. Um bébé de meses. Temperaturas elevadas resistiam a todos osn tratamentos. O único sintoma visível era febre. O mºedico da família ia ensaiando tratamentos para as doenças mais vulgares dos bébés, susceptíveis de apresentar esse sintoma. Sem resultado. A doença estava indominável. Até que, numa revista que passou a todo o corpo do bébé, o médico notou que o umbigo apresentava uma pequena vermelhidão, já bem no seu interior. E, no meio do vermelhusco, havia um ponto negro. Sem saber o que ia encontrar, procurou arrancar o ponto negro. Conseguiu. Era uma pequena carraça. E a doença do bébé era a febre da carraça. A criança melhorou rápidamente depois disso.
***
Os dois casos não têm a ver nada um com o outro, a não ser uma coisa: cães abandonados são um duplo problema. Um problema de saúde pública, pelas doenças que podem transmitir ao hoomem. Um problema de humanidade, já que devemos cuidar dos animais abandonados. Donde retiro ser urgente que as Câmaras disponham de um serviço de recolha de animais abandonados, para tratar deles e conseguir depois colocá-los, por meio de parcerias, em quem tome contta deles. Pequenas coisas. Mas importantes.
Crónica PEQUENAS COISAS - Magalhaes Pinto - "MATOSINHOS HOJE" - 25/6/2007
PERGUNTAS SEM RESPOSTA
A DUVIDA - 105º. fascículo
(continuação)
Pensei várias vezes desistir, Maria do Céu, quando ia a caminho da Dona Néné, presumidamente o lupanar onde ia encontrar-te de regresso à vida. Sentia fraquejar a vontade de aniquilamento da minha dúvida, com a antevisão do momento em que nos víssemos. Ia ser um momento terrível, pensava eu. Um quarto despido de acessórios, igual a tantos outros pelos quais já passara. Eu, no meio do quarto, feito deus antigo, enorme, iracundo, silêncio coruscante em olhos de lâmina fixados na porta. Tu a entrares, de olhos no chão, como quase todas faziam. A fechares a porta. A levantares o olhar. Arregalado. Espantado com a minha presença ali. Como adivinhara eu? Nenhuma história poderia ser contada. Nenhuma justificação. Nenhum argumento. Apenas a verdade nua e crua, ali, entre ti e mim, feita em cacos a dúvida, estilhaçada pela situação indesmentível. O pânico. Quem sabe a fuga. Esta antevisão, Maria do Céu, quase me fez desistir. Mas a necessidade de matar a dúvida que me sufocava foi mais forte. Sabia que, quando aquilo tudo sucedesse, seria o fim da nossa estrada em conjunto. Um fim não desejado por mim. E, acredito, não desejado por ti, também. Desfazia o meu raciocínio no cadinho das razões para tudo aquilo. Não podia ser vício. O carrossel do teu corpo, a rodar de mão em mão, nunca te fizera feliz, estava certo. É verdade, eu tinha-te feito encontrar o prazer do sexo. Teria sido isso a comandar o teu retorno? Mas não era menos verdade ser eu capaz de satisfazer todos os teus desejos. Carnais ou outros. Dava-te todo o dinheiro necessário. Só se fosse por anseio de liberdade. Mas tínhamos chegado a acordo nesse ponto. Terias tu descoberto que te mandara vigiar? Se assim fosse, então, o melhor era acabar com tudo, rapidamente. A tensão começava a fatigar-me. Uma tensão entre a razão, a dizer-me para parar, e o querer, a fazer-me prosseguir, animado pelo sentimento da generosidade traída.
(continua)Magalhães Pinto
Pensei várias vezes desistir, Maria do Céu, quando ia a caminho da Dona Néné, presumidamente o lupanar onde ia encontrar-te de regresso à vida. Sentia fraquejar a vontade de aniquilamento da minha dúvida, com a antevisão do momento em que nos víssemos. Ia ser um momento terrível, pensava eu. Um quarto despido de acessórios, igual a tantos outros pelos quais já passara. Eu, no meio do quarto, feito deus antigo, enorme, iracundo, silêncio coruscante em olhos de lâmina fixados na porta. Tu a entrares, de olhos no chão, como quase todas faziam. A fechares a porta. A levantares o olhar. Arregalado. Espantado com a minha presença ali. Como adivinhara eu? Nenhuma história poderia ser contada. Nenhuma justificação. Nenhum argumento. Apenas a verdade nua e crua, ali, entre ti e mim, feita em cacos a dúvida, estilhaçada pela situação indesmentível. O pânico. Quem sabe a fuga. Esta antevisão, Maria do Céu, quase me fez desistir. Mas a necessidade de matar a dúvida que me sufocava foi mais forte. Sabia que, quando aquilo tudo sucedesse, seria o fim da nossa estrada em conjunto. Um fim não desejado por mim. E, acredito, não desejado por ti, também. Desfazia o meu raciocínio no cadinho das razões para tudo aquilo. Não podia ser vício. O carrossel do teu corpo, a rodar de mão em mão, nunca te fizera feliz, estava certo. É verdade, eu tinha-te feito encontrar o prazer do sexo. Teria sido isso a comandar o teu retorno? Mas não era menos verdade ser eu capaz de satisfazer todos os teus desejos. Carnais ou outros. Dava-te todo o dinheiro necessário. Só se fosse por anseio de liberdade. Mas tínhamos chegado a acordo nesse ponto. Terias tu descoberto que te mandara vigiar? Se assim fosse, então, o melhor era acabar com tudo, rapidamente. A tensão começava a fatigar-me. Uma tensão entre a razão, a dizer-me para parar, e o querer, a fazer-me prosseguir, animado pelo sentimento da generosidade traída.
(continua)Magalhães Pinto
A DUVIDA - 104º. fascículo
(continuação)
Ninguém diria que, naquela minúscula tabacaria, se vendia, entre um maço de Três Vintes e dois de SG, à mistura com algumas caixas de fósforos, a utilização de corpos femininos. Não passava duma espécie de janela recolhida do corpo do edifício. Disfarçado preâmbulo dum livro rasca, lido por todos os homens desde o início dos tempos. Apenas cabia, lá dentro, uma pessoa de cada vez. Sentada por detrás do pequeno balcão, uma velhota, gorducha, de cabelo mal penteado, bastante grisalho já, sem molar à vista, se abria a boca. Entrei pouco à vontade. Nunca usara aquele método, afeito à simplicidade da abordagem no Borboleta Negra. E se o Vítor me estivesse a desfrutar? Um sorriso da minha parte. Pedi um maço de cigarros. Paguei com uma nota de mil escudos. Precisava do tempo de fazer o troco para me adaptar à situação. Contei as moedas e as notas recebidas de volta, lentamente. Provavelmente habituada a situações idênticas, a velhota olhava para mim com uma interrogação divertida a ajeitar-lhe a expressão. Parece que ainda não tem tudo o que quer... Desembuche, senhor! Aqui há de tudo, como na farmácia! Um amigo afiançara-me encontrarem-se por ali coisas boas. Escondidos no fundo das pálpebras, papudas da idade, dois olhos astuciosos prescrutaram-me com atenção. Podia ser um polícia à paisana. Desconversou um pouco, brincando com frases de duplo sentido. O diálogo era um jogo do gato e do rato, o rato era eu. Da minha parte era sem jeito, era uma absoluta incapacidade para dizer ao que ia. Da parte dela era a cuidadosa auscultação do verdadeiro objectivo a levar-me ali. Já tinha percebido o pretexto dos cigarros. Ao fim de algum tempo, confirmou. Não, pode não ser para já. Porque eu queria estar com uma miúda chamada Maria do Céu. Não há nenhuma? Bom... pode muito bem usar outro nome. Então podia ser para já. Morena, morena... não quero loira. Pago já aqui? Ah!... só o telefonema. Vamos lá então.
(continua)
Magalhães Pinto
Ninguém diria que, naquela minúscula tabacaria, se vendia, entre um maço de Três Vintes e dois de SG, à mistura com algumas caixas de fósforos, a utilização de corpos femininos. Não passava duma espécie de janela recolhida do corpo do edifício. Disfarçado preâmbulo dum livro rasca, lido por todos os homens desde o início dos tempos. Apenas cabia, lá dentro, uma pessoa de cada vez. Sentada por detrás do pequeno balcão, uma velhota, gorducha, de cabelo mal penteado, bastante grisalho já, sem molar à vista, se abria a boca. Entrei pouco à vontade. Nunca usara aquele método, afeito à simplicidade da abordagem no Borboleta Negra. E se o Vítor me estivesse a desfrutar? Um sorriso da minha parte. Pedi um maço de cigarros. Paguei com uma nota de mil escudos. Precisava do tempo de fazer o troco para me adaptar à situação. Contei as moedas e as notas recebidas de volta, lentamente. Provavelmente habituada a situações idênticas, a velhota olhava para mim com uma interrogação divertida a ajeitar-lhe a expressão. Parece que ainda não tem tudo o que quer... Desembuche, senhor! Aqui há de tudo, como na farmácia! Um amigo afiançara-me encontrarem-se por ali coisas boas. Escondidos no fundo das pálpebras, papudas da idade, dois olhos astuciosos prescrutaram-me com atenção. Podia ser um polícia à paisana. Desconversou um pouco, brincando com frases de duplo sentido. O diálogo era um jogo do gato e do rato, o rato era eu. Da minha parte era sem jeito, era uma absoluta incapacidade para dizer ao que ia. Da parte dela era a cuidadosa auscultação do verdadeiro objectivo a levar-me ali. Já tinha percebido o pretexto dos cigarros. Ao fim de algum tempo, confirmou. Não, pode não ser para já. Porque eu queria estar com uma miúda chamada Maria do Céu. Não há nenhuma? Bom... pode muito bem usar outro nome. Então podia ser para já. Morena, morena... não quero loira. Pago já aqui? Ah!... só o telefonema. Vamos lá então.
(continua)
Magalhães Pinto
PERGUNTAS SEM RESPOSTA
PENSAMENTO DO DIA
FRASE DO DIA
"Os Portugueses vieram ao Brasil roubar o ouro."
Caetano Veloso - Citado no Rádio Clube Português (em conversa com Frias Filho, Director da Folha de São Paulo) - 24/6/2007
***
Com toda a probabilidade, o tetravô paterno do mentecapto foi um dos ladrões...
(comentário acompanhado da recusa de receber em nossa casa um cantor medíocre, com carreira feita à custa de sensacionalismos e dislates como este; sobretudo porque esquece que construir a pátria que ele hoje tem, por herança, roubou muitas vidas portuguesas).
Bandeiras proporcionais à dimensão - não apenas temporal - da História dos dois países...
23.6.07
PENSAMENTO DO DIA
FRASE DO DIA
INTERLUDIO
Uma das mais belas canções de sempre - WHAT A WONDERFUL WORLD - numa interpretação optimidta de um "monstro" do espectáculo - LOUIS ARMSTRONG - ironicamente enquadrada em imagens do "inferno" americano do Vietnam...
A DUVIDA - 103º. fascículo
(continuaçao)
Telefonei para casa, apesar de tarde. A voz meio ensonada de Maria do Céu respondeu-me do outro lado. Contei-lhe do muito para fazer no jornal. Não poderia ir para casa, nessa noite. Temia a minha reacção. Não quiz falar muito. E, pela primeira vez desde há muito tempo, fui ao Borboleta Negra. As caras eram, na sua maioria, novas. Nenhuma das minhas velhas amigas estava por lá. Acabei a noite a fornicar, furiosamente, uma desgraçada qualquer, a quem coubera em sorte acolher os meus desencantos e o meu desespero. Nem o nome lhe sei.
XIX
Aquela aparente naturalidade que usei contigo, Maria do Céu, nos dias seguintes à informação recebida do Marques, era maquiavélica. Verdadeiramente, eu pretendia - mais uma vez! - ter-te completamente desprevenida, quando te apanhasse em flagrante delito. Sem possibilidade de negar. Incapaz, pela surpresa, de inventar qualquer história. Tal e qual um pai desmascara sem dó um filho mentiroso. Percebia preocupação no teu comportamento. No meu espírito desenhava-se a situação com nitidez. Havias quebrado um tácito voto de fidelidade e sentias a traição a desabar sobre ti. Não me comprazia a situação. O teu sofrimento nunca me deu prazer, Maria do Céu. Preparava, pacientemente, a armadilha, com o convencimento fatalista de ser a única solução possível. Ali, no quarto do apartamento da Dona Néné, face a mim, comprado o teu tempo por mim, não poderias nem ficar calada, nem mentir. Ali, despidos de todas as fantasias, abandonadas todas as dissimulações, chegaria, imaginava eu, a hora de todas as certezas.
(continua)
Magalhães Pinto
Telefonei para casa, apesar de tarde. A voz meio ensonada de Maria do Céu respondeu-me do outro lado. Contei-lhe do muito para fazer no jornal. Não poderia ir para casa, nessa noite. Temia a minha reacção. Não quiz falar muito. E, pela primeira vez desde há muito tempo, fui ao Borboleta Negra. As caras eram, na sua maioria, novas. Nenhuma das minhas velhas amigas estava por lá. Acabei a noite a fornicar, furiosamente, uma desgraçada qualquer, a quem coubera em sorte acolher os meus desencantos e o meu desespero. Nem o nome lhe sei.
XIX
Aquela aparente naturalidade que usei contigo, Maria do Céu, nos dias seguintes à informação recebida do Marques, era maquiavélica. Verdadeiramente, eu pretendia - mais uma vez! - ter-te completamente desprevenida, quando te apanhasse em flagrante delito. Sem possibilidade de negar. Incapaz, pela surpresa, de inventar qualquer história. Tal e qual um pai desmascara sem dó um filho mentiroso. Percebia preocupação no teu comportamento. No meu espírito desenhava-se a situação com nitidez. Havias quebrado um tácito voto de fidelidade e sentias a traição a desabar sobre ti. Não me comprazia a situação. O teu sofrimento nunca me deu prazer, Maria do Céu. Preparava, pacientemente, a armadilha, com o convencimento fatalista de ser a única solução possível. Ali, no quarto do apartamento da Dona Néné, face a mim, comprado o teu tempo por mim, não poderias nem ficar calada, nem mentir. Ali, despidos de todas as fantasias, abandonadas todas as dissimulações, chegaria, imaginava eu, a hora de todas as certezas.
(continua)
Magalhães Pinto
SORRISO DO DIA
22.6.07
FRASE DO DIA
PENSAMENTO DO DIA
21.6.07
TESTE
MEMORIA
A situação das finanças do Estado é extremamente precária. E não importa continuarmos a atirar pedras àqueles que conduziram o país a este estado. Neste momento, o que mais importa é que ultrapassemos a grave situação criada. E não podemos sequer pensar que nada temos a ver com isso. Porque, da grave situação financeira do Estado, todos sairemos prejudicados. Muito do dinheiro necessário ao cumprimento das obrigações do Estado para conosco não existe, presentemente. No caso de tudo permanecer como até aqui, continuarão a ser reduzidos os benefícios que do Estado recebemos. As pensões correrão riscos. Os serviços de saúde funcionarão pior. Os investimentos públicos serão reduzidos. Menos estradas, menos hospitais, menos escolas, menos polícia, menos tribunais e menos juízes.
O problema é nosso, portanto. Razão pela qual todos nos devemos bater na luta contra a evasão e a fraude fiscais. Com o mesmo vigor com que nos pronunciamos contra o despesismo do Estado, seja ele a nível central, seja ele na esfera autárquica. E não devemos ter pejo em denunciar os casos em que nos pareça que alguém está a tentar ludibriar o Estado. Porque quem trapaceia o Estado está a enganar todos aqueles que, honestamente, cumprem os seus deveres para com os outros.
A luta contra a evasão e fraude fiscais vai ser uma longa luta. Os hábitos desonestos estão demasiado arreigados. E há uma enorme e completa falta de pudor de quem foge ao cumprimento dos seus deveres. Agora mesmo, durante as férias, pude verificar isso. No Algarve. Em Vilamoura. Num empreendimento no qual passo as férias. Um empreendimento a que falta completar uma boa parte. Os promotores da parte em falta estão a cometer várias ilegalidades. Uma delas, alterando o loteamento aprovado, sem que se veja a Câmara de Loulé a fazer o que quer que seja. Mas essa nem sequer é a mais grave. O mais grave é o descaramento fiscal dos promotores, os quais oferecm, a todos os interessados na compra, um dossier no qual se configura a provável burla do fisco no domínio do IVA e da Sisa. E fazem isso em papel timbrado da empresa e tudo. A minha consciência de cidadão irritou-se com tanto descaramento. A certeza de impunidade é tamanha que até já nem se procura disfarçar.
A técnica, aliás, é velha. Aproveitando do interesse do comprador em pagar a mínima Sisa possível, o contrato promessa de venda é desdobrado em dois. Um que virá a servir para a escritura definitiva, por um valor menor. E um contrato paralelo, que nunca chegará a ver a luz do dia, para a diferença de preço. O promitente comprador paga essa diferença à cabeça, para evitar complicações ao vendedor. Para que tudo dê certo, tem que a construção da obra ser feita com muita obra "por fora". Há, assim, três prejuízos. IVA que não é pago durante a obra, Sisa que não é paga na venda e IRC sobre os lucros que depois não é pago. Pelas minhas contas, a operação que aqui denuncio, faz fugir ao fisco cerca de onze mil contos. Que os trabalhadores por conta de outrem vão ter que pagar em lugar.
Este escândalo só tem uma resposta possível. A denúncia. O que vou fazer. Ao senhor Director Geral das Contribuições e Impostos. Não sei se resultará. O Estado funciona muito mal. Mas, pelo menos, ficarei de consciência tranquila.
Crónica UMA LUTA - Magalhaes Pinto - "MATOSINHOS HOJE" - 25/8/2002
A DUVIDA - 102º. fascículo
(continuação)
Regressei ao jornal desesperado, sem saber o que fazer. A minha imaginação tinha começado a funcionar e sentia-me incapaz de a parar. Fui falando casualmente aos colegas de redacção sobre o prédio, com brejeirice, na expectativa de obter, de algum deles, uma informação comprometedora. A maior parte nem lá tinha entrado alguma vez. Era como dar um tiro no escuro, com olhos vendados, mirando de costas um alvo invisível.
Já tinha acabado o meu trabalho, quando o Vítor passou por mim, deu conta do meu ar preocupado e, jocosamente, me disse andar eu com falta de fêmea. É. Um destes dias, vou àquele prédio grande, ali quase em frente, a ver se engato uma. Não evitei saltar da cadeira, quando ele me perguntou se eu também conhecia a Dona Néné. Sei lá eu quem é a Dona Néné... Explica-te! Cada informação era uma pedrada a atingir-me a fronte, com violência. Então, era fácil. Ia-se primeiro lá acima, ao Marquês, falar com a velhota da Tabacaria Sevilha. Dava-se-lhe conta da necessidade. Ela fazia uma chamada e confirmava se podia ser para já. A Dona Néné arranja umas miúdas porreiras, mas não gosta de ajuntamentos lá em casa. E, por causa da polícia, muito activa desde o encerramento oficial dos bordéis, fazia passar toda a clientela pelo crivo da velhota. O Vítor tinha mesmo a impressão de que as miúdas não estavam lá, no apartamento. Nunca tinha visto senão uma ou duas de cada vez. Mas não deviam estar longe. Quando se era cliente habitual, podia dar-se o nome de quem se pretendia e, normalmente, o pedido era satisfeito de imediato. Só depois de se pagar uma taxa de cem paus, é que a velhota se descosia com o endereço, para os iniciados. Exactamente naquele prédio da Gonçalo Cristóvão. Com avidez, quiz saber mais. Quem costumava encontrar-se por lá, novas, velhas, o que faziam, quanto tempo se estava lá. Nenhum dos dados eróticos do Vítor teve interesse para mim. Fiquei aturdido. Tinha encontrado, pensava eu, a motivação para Maria do Céu ir ali. Os velhos hábitos tinham levado de vencida os meus esforços.
(continua)
Magalhães Pinto
Regressei ao jornal desesperado, sem saber o que fazer. A minha imaginação tinha começado a funcionar e sentia-me incapaz de a parar. Fui falando casualmente aos colegas de redacção sobre o prédio, com brejeirice, na expectativa de obter, de algum deles, uma informação comprometedora. A maior parte nem lá tinha entrado alguma vez. Era como dar um tiro no escuro, com olhos vendados, mirando de costas um alvo invisível.
Já tinha acabado o meu trabalho, quando o Vítor passou por mim, deu conta do meu ar preocupado e, jocosamente, me disse andar eu com falta de fêmea. É. Um destes dias, vou àquele prédio grande, ali quase em frente, a ver se engato uma. Não evitei saltar da cadeira, quando ele me perguntou se eu também conhecia a Dona Néné. Sei lá eu quem é a Dona Néné... Explica-te! Cada informação era uma pedrada a atingir-me a fronte, com violência. Então, era fácil. Ia-se primeiro lá acima, ao Marquês, falar com a velhota da Tabacaria Sevilha. Dava-se-lhe conta da necessidade. Ela fazia uma chamada e confirmava se podia ser para já. A Dona Néné arranja umas miúdas porreiras, mas não gosta de ajuntamentos lá em casa. E, por causa da polícia, muito activa desde o encerramento oficial dos bordéis, fazia passar toda a clientela pelo crivo da velhota. O Vítor tinha mesmo a impressão de que as miúdas não estavam lá, no apartamento. Nunca tinha visto senão uma ou duas de cada vez. Mas não deviam estar longe. Quando se era cliente habitual, podia dar-se o nome de quem se pretendia e, normalmente, o pedido era satisfeito de imediato. Só depois de se pagar uma taxa de cem paus, é que a velhota se descosia com o endereço, para os iniciados. Exactamente naquele prédio da Gonçalo Cristóvão. Com avidez, quiz saber mais. Quem costumava encontrar-se por lá, novas, velhas, o que faziam, quanto tempo se estava lá. Nenhum dos dados eróticos do Vítor teve interesse para mim. Fiquei aturdido. Tinha encontrado, pensava eu, a motivação para Maria do Céu ir ali. Os velhos hábitos tinham levado de vencida os meus esforços.
(continua)
Magalhães Pinto
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