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23.6.07

A DUVIDA - 103º. fascículo

(continuaçao)

Telefonei para casa, apesar de tarde. A voz meio ensonada de Maria do Céu respondeu-me do outro lado. Contei-lhe do muito para fazer no jornal. Não poderia ir para casa, nessa noite. Temia a minha reacção. Não quiz falar muito. E, pela primeira vez desde há muito tempo, fui ao Borboleta Negra. As caras eram, na sua maioria, novas. Nenhuma das minhas velhas amigas estava por lá. Acabei a noite a fornicar, furiosamente, uma desgraçada qualquer, a quem coubera em sorte acolher os meus desencantos e o meu desespero. Nem o nome lhe sei.


XIX

Aquela aparente naturalidade que usei contigo, Maria do Céu, nos dias seguintes à informação recebida do Marques, era maquiavélica. Verdadeiramente, eu pretendia - mais uma vez! - ter-te completamente desprevenida, quando te apanhasse em flagrante delito. Sem possibilidade de negar. Incapaz, pela surpresa, de inventar qualquer história. Tal e qual um pai desmascara sem dó um filho mentiroso. Percebia preocupação no teu comportamento. No meu espírito desenhava-se a situação com nitidez. Havias quebrado um tácito voto de fidelidade e sentias a traição a desabar sobre ti. Não me comprazia a situação. O teu sofrimento nunca me deu prazer, Maria do Céu. Preparava, pacientemente, a armadilha, com o convencimento fatalista de ser a única solução possível. Ali, no quarto do apartamento da Dona Néné, face a mim, comprado o teu tempo por mim, não poderias nem ficar calada, nem mentir. Ali, despidos de todas as fantasias, abandonadas todas as dissimulações, chegaria, imaginava eu, a hora de todas as certezas.

(continua)

Magalhães Pinto

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