(continuação)
Pensei várias vezes desistir, Maria do Céu, quando ia a caminho da Dona Néné, presumidamente o lupanar onde ia encontrar-te de regresso à vida. Sentia fraquejar a vontade de aniquilamento da minha dúvida, com a antevisão do momento em que nos víssemos. Ia ser um momento terrível, pensava eu. Um quarto despido de acessórios, igual a tantos outros pelos quais já passara. Eu, no meio do quarto, feito deus antigo, enorme, iracundo, silêncio coruscante em olhos de lâmina fixados na porta. Tu a entrares, de olhos no chão, como quase todas faziam. A fechares a porta. A levantares o olhar. Arregalado. Espantado com a minha presença ali. Como adivinhara eu? Nenhuma história poderia ser contada. Nenhuma justificação. Nenhum argumento. Apenas a verdade nua e crua, ali, entre ti e mim, feita em cacos a dúvida, estilhaçada pela situação indesmentível. O pânico. Quem sabe a fuga. Esta antevisão, Maria do Céu, quase me fez desistir. Mas a necessidade de matar a dúvida que me sufocava foi mais forte. Sabia que, quando aquilo tudo sucedesse, seria o fim da nossa estrada em conjunto. Um fim não desejado por mim. E, acredito, não desejado por ti, também. Desfazia o meu raciocínio no cadinho das razões para tudo aquilo. Não podia ser vício. O carrossel do teu corpo, a rodar de mão em mão, nunca te fizera feliz, estava certo. É verdade, eu tinha-te feito encontrar o prazer do sexo. Teria sido isso a comandar o teu retorno? Mas não era menos verdade ser eu capaz de satisfazer todos os teus desejos. Carnais ou outros. Dava-te todo o dinheiro necessário. Só se fosse por anseio de liberdade. Mas tínhamos chegado a acordo nesse ponto. Terias tu descoberto que te mandara vigiar? Se assim fosse, então, o melhor era acabar com tudo, rapidamente. A tensão começava a fatigar-me. Uma tensão entre a razão, a dizer-me para parar, e o querer, a fazer-me prosseguir, animado pelo sentimento da generosidade traída.
(continua)Magalhães Pinto
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