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16.6.07

A DUVIDA - 96º. fascículo

(continuação)

No fim de semana, fomos uma vez mais para o Mindelo. Ia decidido a pôr um ponto final naquela situação de constrangimento. Era meu dever dar um primeiro passo positivo e definitivo. Era como se, tendo-a açoitado no convencimento da sua falta, eu devesse afagá-la docemente, com o intuito de lhe suavizar as dores e redimir a injustiça. Meditara bastante. Para além da culpa, eu sentia necessidade dela, como se parte de mim para ela se tivesse transladado. Era um sentimento estranho. Não era a primeira vez que amava. Há muitos anos, tinha gostado doutra, imenso, de quem tinha feito minha mulher. Tudo acabara numa separação, da qual saira profundamente ferido. No meu amor e no meu orgulho. Principalmente no meu orgulho de macho. Provavelmente por isso, fora tão difícil a recuperação. Ainda hoje pensava na Isabel com uma doce nostalgia, embora não esquecesse a sua excessiva frieza. Afinal tínhamos outras soluções para o problema. Mas ela fora intransigente. Incompreensivelmente intransigente, face a tudo quanto de bom acontecera enquanto durara. Com ela, o meu sentir era suave como a penugem dum ninho em tempo de pedrinhas recém postas, a dádiva recíproca tinha o sabor duma prenda longe do aniversário, os beijos trocados despertavam sinos em tempo de avé-marias. Ou em hinos de baptizado...

Com Maria do Céu era diferente. O modo como a sentia, como a pensava, era por igual absorvente, avassalador. Talvez mais do que fora com Isabel. Mesmo nos momentos de maior concentração no trabalho, me surpreendia perdido no labirinto de pensamentos àcerca dela, me achava a navegar num mar de fantasias, imaginadas com tanta intensidade que quase chegavam a ser palpáveis. Com a frequência do longo pêndulo dum relógio inexistente, por demasiado grande, revisitava o episódio da sua violação, em Rala. De olhos fixos numa janela feita palco, via, sempre de costas, aquele homem, desmesuradamente musculoso, a lutar com ela, violentamente, procurando prender-lhe os braços, a gesticularem como folhas de palmeiras no centro dum ciclone. Via como a resistência dela ia afrouxando, cansada da luta. Via-o deitá-la por terra, caindo por cima dela, sujeitando-a com o seu peso. Via aquelas mãos, com unhas sujas da terra e calejadas da enxada, apertarem-lhe os seios nus resguardados apenas pelo vestido, desapertarem os botões, oferecerem ao beijo do sol os mamilos erectos, antes de os emborcar numa boca de lábios grossos, saliva a escorrer pelos cantos. Via-o forçar a abertura das pernas com o vigor dos joelhos. Via-o pegar na baínha do vestido e arrastá-lo ao longo dos corpos. Via-o meter uma mão entre os dois ventres, com a outra a tapar a boca de Maria do Céu. Como se fosse uma invisível e minúscula câmara de filmar, capaz de se introduzir nos recantos mais insignificantes, chegava a vê-lo desapertar a braguilha, deixando surgir um sexo monstruoso, gigantesco, ameaçador, que, como uma serpente, afastava com o focinho a baínha das calças de Maria do Céu para o lado, na mira da lura onde se acoitaria. E via-o penetrar nela, de esticão, ao mesmo tempo que gritos de dor se perdiam no horizonte, sem fraga que os tornasse. A visão desfazia-se sitematicamente numa raiva surda, coração a cavalgar, que me dava ganas de socar o espaço à minha frente, como se ele estivesse ali presente.

(continua)
Magalhães Pinto

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