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21.6.07

A DUVIDA - 102º. fascículo

(continuação)

Regressei ao jornal desesperado, sem saber o que fazer. A minha imaginação tinha começado a funcionar e sentia-me incapaz de a parar. Fui falando casualmente aos colegas de redacção sobre o prédio, com brejeirice, na expectativa de obter, de algum deles, uma informação comprometedora. A maior parte nem lá tinha entrado alguma vez. Era como dar um tiro no escuro, com olhos vendados, mirando de costas um alvo invisível.

Já tinha acabado o meu trabalho, quando o Vítor passou por mim, deu conta do meu ar preocupado e, jocosamente, me disse andar eu com falta de fêmea. É. Um destes dias, vou àquele prédio grande, ali quase em frente, a ver se engato uma. Não evitei saltar da cadeira, quando ele me perguntou se eu também conhecia a Dona Néné. Sei lá eu quem é a Dona Néné... Explica-te! Cada informação era uma pedrada a atingir-me a fronte, com violência. Então, era fácil. Ia-se primeiro lá acima, ao Marquês, falar com a velhota da Tabacaria Sevilha. Dava-se-lhe conta da necessidade. Ela fazia uma chamada e confirmava se podia ser para já. A Dona Néné arranja umas miúdas porreiras, mas não gosta de ajuntamentos lá em casa. E, por causa da polícia, muito activa desde o encerramento oficial dos bordéis, fazia passar toda a clientela pelo crivo da velhota. O Vítor tinha mesmo a impressão de que as miúdas não estavam lá, no apartamento. Nunca tinha visto senão uma ou duas de cada vez. Mas não deviam estar longe. Quando se era cliente habitual, podia dar-se o nome de quem se pretendia e, normalmente, o pedido era satisfeito de imediato. Só depois de se pagar uma taxa de cem paus, é que a velhota se descosia com o endereço, para os iniciados. Exactamente naquele prédio da Gonçalo Cristóvão. Com avidez, quiz saber mais. Quem costumava encontrar-se por lá, novas, velhas, o que faziam, quanto tempo se estava lá. Nenhum dos dados eróticos do Vítor teve interesse para mim. Fiquei aturdido. Tinha encontrado, pensava eu, a motivação para Maria do Céu ir ali. Os velhos hábitos tinham levado de vencida os meus esforços.

(continua)
Magalhães Pinto

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