(continuação)
Ninguém diria que, naquela minúscula tabacaria, se vendia, entre um maço de Três Vintes e dois de SG, à mistura com algumas caixas de fósforos, a utilização de corpos femininos. Não passava duma espécie de janela recolhida do corpo do edifício. Disfarçado preâmbulo dum livro rasca, lido por todos os homens desde o início dos tempos. Apenas cabia, lá dentro, uma pessoa de cada vez. Sentada por detrás do pequeno balcão, uma velhota, gorducha, de cabelo mal penteado, bastante grisalho já, sem molar à vista, se abria a boca. Entrei pouco à vontade. Nunca usara aquele método, afeito à simplicidade da abordagem no Borboleta Negra. E se o Vítor me estivesse a desfrutar? Um sorriso da minha parte. Pedi um maço de cigarros. Paguei com uma nota de mil escudos. Precisava do tempo de fazer o troco para me adaptar à situação. Contei as moedas e as notas recebidas de volta, lentamente. Provavelmente habituada a situações idênticas, a velhota olhava para mim com uma interrogação divertida a ajeitar-lhe a expressão. Parece que ainda não tem tudo o que quer... Desembuche, senhor! Aqui há de tudo, como na farmácia! Um amigo afiançara-me encontrarem-se por ali coisas boas. Escondidos no fundo das pálpebras, papudas da idade, dois olhos astuciosos prescrutaram-me com atenção. Podia ser um polícia à paisana. Desconversou um pouco, brincando com frases de duplo sentido. O diálogo era um jogo do gato e do rato, o rato era eu. Da minha parte era sem jeito, era uma absoluta incapacidade para dizer ao que ia. Da parte dela era a cuidadosa auscultação do verdadeiro objectivo a levar-me ali. Já tinha percebido o pretexto dos cigarros. Ao fim de algum tempo, confirmou. Não, pode não ser para já. Porque eu queria estar com uma miúda chamada Maria do Céu. Não há nenhuma? Bom... pode muito bem usar outro nome. Então podia ser para já. Morena, morena... não quero loira. Pago já aqui? Ah!... só o telefonema. Vamos lá então.
(continua)
Magalhães Pinto
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