(continuação)
Quando não estava a imaginar coisas, ensaiava traçar o futuro de Maria do Céu. Eu podia oferecer-lhe ficar comigo para sempre. Mas a minha ambição ia mais longe. Pensava poder cultivá-la. Poder convencê-la a estudar. E ajudá-la na feitura dos trabalhos de casa, à noite, quando regressasse do jornal. Era bastante mais nova do que eu e sempre ficaria resguardada, quando eu envelhecesse. Perturbava-me pensar assim. Muitas vezes me interroguei se não estaria a pensar em Maria do Céu mais como um seguro de velhice do que como um ser humano a precisar de ajuda. Queria também protegê-la das agressões dos energúmenos que, numa mulher, apenas viam da cintura para baixo. Às vezes, pensava ser esta minha preocupação nada mais do que uma primária manifestação de ciúmes, a tal ponto aquele objectivo era obsessivo. Mas acho que não. Ou talvez fosse uma mistura das duas coisas, a intenção de proteger e o desejo de posse exclusiva.
Guardo ainda comigo um grande enigma, Maria do Céu, quando penso nas resmas de pensamentos acumulados durante aqueles dias. Nos redemoinhos sentimentais diversos, às vezes antagónicos, que me assolaram. Na vontade posta no prosseguimento da jornada. Amei muito, como sabes, a minha outra mulher, antes de ti. E, embora sentisse algo parecido com ciúmes, a verdade é que era um sentimento sereno, leve ondulação num mar quase até ao fim tranquilo. Contigo não! Contigo, a simples imaginação dum outro homem a pensar em ti, fosse com intenções sexuais, fosse apenas emocionalmente, fazia eclodir em mim o desejo de destrui-lo. Uma implosão cujos estilhaços, estranhamente, apenas te atingiam a ti. Era como se eu fosse um animal a quem pretendiam roubar a cria e que, na ânsia de o evitar, ferrava as mandíbulas no seu cachaço ferozmente. O que me parece absurdo! Ainda se fosses minha filha!...
(continua)
Magalhaes Pinto
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