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Foi então que surgiu uma atitude salvadora. A Confederação da Indústria Portuguesa (CIP), pela mão do seu presidente, engenheiro Francisco Van Zeller, apareceu com um estudo, alegadamente financiado por empresários portugueses, a mostrar que havia melhor alternativa do que a OTA. O novo aeroporto de Lisboa devia ir para Alcochete. E o Governo, até aí tão imperiosamente a favor da OTA, afirmando inclusivamente que todas as outras alternativas haviam sido estudadas, cedeu e mandou apreciar o estudo, deixando de fazer força com a ideia OTA.
Isto até parecia estar bem. O governo deixava de ser teimoso. O seu candidato à Câmara de Lisboa ficava aliviado. Os empresários portugueses falavam do que lhes interessava. E tudo parecia em paz. Mas surgiram, este fim de semana, notícias que vieram estragar a pintura. Com efeito, veio a saber-se várias coisas. Que o estudo apresentado pela CIP fora, afinal, previamente combinado com o Governo, apesar de este afirmar o contrário. Que, nesse estudo, se abandonava a análise de uma solução possível, e a mais barata, que é o aeroporto da Portela mais um pequeno aeroporto de apoio. E que - inimaginável neste quadro - havia empresários promotores do estudo que não davam a cara porque, imagine-se, tinham medo das retaliações do Governo. Deixando no ar a insuportável ideia de que estamos apenas a assistir à representação de uma peça de teatro, cuja autoria se não conhece, mas cujos actores estão perfeitamente identificados.
Só que não fica por aqui. Miguel Cadilhe, o antigo Ministro das Finanças do Governo de Cavaco Silva, no seu pequeno comentário desta semana no jornal "Expresso", coloca o dedo na ferida com a precisão de um cirurgião. Diz ele que "pelo que está em causa, o NAL, novo aeroporto de Lisboa, não deve ser dispensado de uma impecável análise custos-benefícios", prosseguindo que tal análise "não se faz sob tutela dos políticos". E afirma que "seria um erro a análise custos-benefícios omitir a alternativa Portela mais Um". Precisamente a alternativa que foi afastada, ao que parece, na conversa entre o presidente da CIP, o Primeiro-Ministro e o Ministro Mário Lino. Tinha Cadilhe em perspectiva que tudo quanto o Governo fez, até agora, foi instruir o Laboratório Nacional de Engenharia Civil (LNEC) para analisar o estudo trazido pela CIP, sabendo-se que o LNEC não só não tem competência para a dita análise custo-benefício, como está em subordinação hierárquica do Governo. O que, automaticamente, retira a qualquer conclusão que exceda as competências do LNEC qualquer validade.
Resta, desta história toda, um facto inquietante, já acima referido. O medo de alguns empresários face à eventualidade de o Governo conhecer a identidade dos financiadores do estudo apresentado pela CIP. Especialmente tendo em conta o que agora sabemos, isto é, que o estudo apresentado pela CIP e por eles financiado foi feito em estreito acordo com o Governo. Porque, das duas, uma:
- ou a CIP não revelou esses empresários do beneplácito governamental para o estudo; caso em que o presidente da CIP estaria a fazer um jogo perigoso de cumplicidade pessoal com o Governo;
- ou a CIP revelou-lhes o acordo do Governo e, novamente, das duas uma:
. ou os empresários financiadores estão todos a contar uma grande história ao país;
. ou o presidente da CIP decidiu, por si mesmo, criar um cenário de atemorização.
Em qualquer das três alternativas apresentadas, o cidadão comum, o contribuinte, não pode senão ficar extremamente preocupado. Como já disse algures, este Governo não tem agora credibilidade nenhuma - ia a dizer legitimidade nenhuma - para decidir do novo aeroporto de Lisboa. E que não percam mais tempo para colocar as coisas a serem devidamente estudadas e apreciadas. Não vá dar-se o caso de, dentro de seis meses, voltarem a tocar-nos o disco do "já não há tempo".
Seja como seja, esta história do novo aeroporto de Lisboa é, aos nossos olhos, apenas uma grande barafunda, que, por isso, nos faz suspeitar que são mais os factos escondidos do que os mostrados. O que é grave, muito grave mesmo, para o Governo da transparência.
Excerto da crónica A BARAFUNDA - Magalhães Pinto - "Vida Económica" - 19/6/2007
(imagem de fontedasenhora.no.sapo.pt)
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