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17.7.07

CRÓNICA DA SEMANA (II)


“A campanha desencadeada pelo PSD contra o PS com o argumento de que Sócrates é um autoritário e por isso estamos à beira de um regime onde a liberdade corre perigo é uma verdadeira anedota.”
Emídio Rangel – Correio da Manhã – 14/7/2007
Devo dizer que esta frase me fez pensar bastante. Porque eu próprio tenho alertado, aqui nestas páginas, para o crescente cerceamento da liberdade de expressão que, a meu ver, se vem produzindo em Portugal, sensivelmente de há um ano a esta parte. E, em princípio, a opinião expressa por Rangel era insuspeita. Havia, pois, um profundo desacordo entre o que eu penso e o que ele pensa. Razão suficiente para me obrigar a rever os meus pensamentos. E, reflexão feita, admiti que a anedota, a existir, não estava nem no PSD nem em mim. Explico como chego a esta conclusão.
Em primeiro lugar, os receios sobre a trajectória da liberdade de expressão atravessam, presentemente, de um modo transversal toda a sociedade portuguesa. Já não se trata apenas de luta partidária. Já não é só confronto de opiniões entre opinadores. É um receio presente, de modo pesado, que se abate sobre quem tem a oportunidade e o dever de conduzir até à opinião pública o que pensa se oculta por debaixo das aparências porque, independentemente da realidade sensível, sempre o que acontecer neste domínio, surgirá envolto, como diria o Autor, num manto diáfano de fantasia. No mundo político, raramente a verdade surge, nua e crua, aos olhos dos cidadãos - O mundo político é feito, sobretudo, de aparências. As quais podem naturalmente ser – e muitas vezes são – inverdades ou mesmo mentiras. E se o mundo político usa inverdades ou mentiras, bom é que exista quem, sem rebuço, chame as coisas pelo seu próprio nome. E em tempo. Porque, um dia, pode ser tarde demais.

...

Preciosas palavras. Num momento em que vemos perseguições por delitos de opinião, por enquanto limitadas aos servidores directos do Estado. Sobretudo, num momento em que vemos o afã do Estado em redefinir o papel da informação em Portugal, em fixar-lhe coordenadas estreitas. Num momento em que começa a saber-se que há já jornalistas a praticarem o que se chama o “jornalismo defensivo”, com medo dos processos que lhes caiam em cima. Ademais, subscritas por alguém que, de muito perto, viveu o que se passou em Espanha. Primeiro, com Filipe Gonzalez e seus colaboradores a tentar calar as vozes opositoras, seja por encerramento de órgãos não afectos, seja pela colocação nas mãos da PRISA – grupo muito próximo de Gonzalez, a mesma que já iniciou, em tempo de Sócrates já, o domínio da comunicação social portuguesa – tudo quanto da comunicação social lhe podia ser entregue. Segundo, com Aznar, ele próprio a desenvolver esforços para calar as vozes independentes que tanto tinham denunciado Filipe Gonzalez e, com isso, tinha ajudado preciosamente Aznar a conquistar o Poder.
Evidentemente, ninguém espera que Salazar regresse. Não somos criancinhas a brincar aos papões. Mas temos que reconhecer que a informação livre incomoda todos os poderes. E que, na medida em que os incomoda, sempre estarão tentados em calar as vozes que desaprovam, as vozes que, com razão ou sem ela, estão disponíveis para gritar na praça pública que “é mentira” ou que “o rei vai nu”. Recorro novamente a Jimenez Losantos e ao livro citado, para exprimir algo que eu não saberia fazer tão bem:
“Na realidade, se esta reflexão à posteriori não é um simples relato humorístico, de decepções merecidas e desenganos fecundos, uma comédia pouco original de jornalistas e políticos, é porque o dano não é simplesmente pessoal o unicamente profissional, mas também afecta directamente a saúde moral da nossa sociedade, os mecanismos de defesa da cidadania em momento especialmente grave para a nação espanhola. E, se essa debilidade é promovida a partir do Governo, por obscuras razões de ajuste de contas, comodidade do mando ou desfrute solitário do Poder, então o juízo tem que ser mais severo. E merecem essa severidade tanto o astuto como os inocentes, o poderoso e os complacentes, o manipulador e os manipulados”.
É. Há suficientes casos, há suficientes preocupações, há suficientes indícios, de que podem estar a tentar que engulamos uma grande mentira como se fosse verdade. E, se assim for, todos seremos poucos para servir de oposição. E, se assim não for, não virá daí mal ao mundo. E o Poder, qualquer Poder, todos os Poderes, ficarão, pelo menos, a saber que há quem não se cale ante o perigo, real ou somente imaginado. Donde se saber – eu sei – onde está a anedota a que Rangel se referia. E não é onde ele diz.

Excertos da crónia A VERDADE E A MENTIRA - Magalhães Pinto - "VIDA ECONÓMICA" - 18/7/2007

2 comentários:

Anónimo disse...

Fiquei verdadeiramente confusa...

MAGALHÃES PINTO disse...

Se me disser qual a origem da confusão, talvez eu possa esclarecer.