. . . OS SINAIS DO NOSSO TEMPO, NUM REGISTO DESPRETENSIOSO, BEM HUMORADO POR VEZES E SEMPRE CRÍTICO. . .
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25.7.07
CRÓNICA DA SEMANA (II)
As últimas eleições intercalares para a Câmara de Lisboa mostraram como é frágil a nossa Democracia, palavra que, afirme-se sem reticências, significa o “governo do povo”. Como com qualquer outra atitude, o “povo” quis dizer alguma coisa com o seu comportamento. Mas fê-lo de modo tão hieroglífico que se presta a mil e uma interpretações. Correndo esse “povo” o risco de que a “cracia” vá à revelia do que pensa e quer o “demo”. O que torna a disciplina da educação cívica a mais urgente de ser transmitida, ensinada, desenvolvida, inculcada, incrustada na alma das pessoas. Só há um modo de a “democracia” funcionar em pleno e com ampla satisfação da vontade colectiva: é afirmando claramente o que se quer. Os Portugueses não podem alhear-se das eleições e, depois, a propósito de tudo e de nada, saltar para a rua para fazer manifestações, vaiar os políticos, dizer de modo desorganizado e sempre imperfeito e incompleto, aquilo que pretendem. É no voto que está a mais poderosa arma dos cidadãos e é o voto a arma que os políticos verdadeiramente temem. Há políticos que até gostam de manifestações. Porque há sempre uma reportagem à espera de uma manifestação onde o político se pode mostrar e explicar. E não há nada que mais agrade ao político, especialmente ao “vencedor”, do que a abstenção. O político “vencedor” sempre interpretará a abstenção como uma carta branca para fazer o que quiser. O que, obviamente, é um perigo.
Perigo porque, administrando sem correntes, o político pode – e a maior parte das vezes consegue – deteriorar, de modo irreversível, o quadro futuro. Atente-se na actual situação financeira do país (ou da Câmara de Lisboa, tanto dá). Os actuais governantes são muito pouco responsáveis pela actual situação. Os “culpados” hão de encontrar-se no passado, nos anteriores governantes, na delapidação dos recursos que, desde a nossa adesão à Comunidade, “choveram” sobre o país. Fraudes, corrupções, usos megalómanos e, por isso, pouco úteis, más opções, liberalismos sociais inomináveis, tudo isso nos conduziu ao ponto onde estamos. Com esta notável consequência: a maioria desses responsáveis “abandonou-nos” depois dos estragos feitos e foi ocupar cargos bem remunerados – noutras instituições de grau superior ou no sector privado – deixando as dores de cabeça para nós. O político não é responsável por nada. Toda a sanção condenatória de que pode ser objecto é uma derrota nas urnas. Isto, se não se escapar atempadamente, como aconteceu com António Guterres e Durão Barroso (por vontade própria) ou com Santana Lopes (por vontade alheia). Mas essa sanção não é nada. Pode beliscar o orgulho do político derrotado e corrido, mas em nada ameniza nem os estragos que produziu nem a má situação que legou.
É por ser assim que há uma condição essencial na democracia, na qual muita gente não atenta convenientemente. O que é outro perigo, naturalmente. Não se pode ficar à espera das próximas eleições para sancionar, aprovar ou reprovar a acção de um governante. Durante a governação, ainda que por nosso mandato, a vida social, isto é, as relações dos cidadãos com o Poder, tem que estar assente num conjunto de princípios básicos, os quais constituem os pilares básicos da vida democrática. “Uma espécie de constituição não escrita – tão importante ou mais do que aquela que está impressa no papel – que é a nossa cultura política, uma série de normas de conduta baseadas no pluralismo, na tolerância, na transigência, na capacidade de diálogo, no respeito pelas leis, na limitação y controlo dos actos do Poder.” (Pedro J. Ramirez – Cartas del Director – La Esfera de los Libros – 2005). Basta um relance pela enumeração de Pedro Jota para verificarmos como pobre é a nossa democracia. Cultura política não há. Pluralismo vai havendo, mas são visíveis os esforços dos políticos, sobretudo dos que detêm actualmente o Poder, para o restringir. Tolerância é talvez o que mais vamos tendo por aqui. Transigência já foi demasiada, agora é praticamente inexistente. Capacidade de diálogo está a desaparecer. Respeito pelas leis só com polícia à esguelha. Do controlo e limitação dos actos do Poder, estamos a caminho do nulo. Maioria manda, dizem, sem rebuço, os detentores do Poder.
Este estado de coisas é, presentemente, mais visível do que nunca. Cuja responsabilidade tem que assacar-se, sem margem para dúvidas, ao actual Primeiro-Ministro. Ele não pode desconhecer que a sua atitude é determinante para a definição da atitude de toda a estrutura de poder que lhe está subordinada. Também no Estado, é o Chefe que, com a sua atitude, determina o comportamento da “empresa”. E José Sócrates tem muitos, demasiados, tiques de déspota iluminado. Há indicadores verdadeiramente antológicos. Desde logo, o modo como se irrita quando é contraditado. Acredita piamente na bondade de todas as suas propostas e fica desesperado se alguém se atreve a colocar em dúvida essa bondade. Quando lhe faltam argumentos para a defender, reduz-se à acusação de que os outros, antes dele, fizeram pior. Como se a maldade dos outros pudesse justificar uma eventual maldade sua. É totalmente desprovido de flexibilidade. E raramente transige. Condições que se virarão, irremediavelmente, contra ele, por mais que as suas propostas possam ser duras mas correctas. É o que se chama “falta de cintura política”. E acrescenta à sua atitude – se não pessoalmente, através dos seus ministros – uma vertente verdadeiramente detestável e perigosa: quer controlar a informação. Um déspota iluminado clássico não faria melhor. O que é, obviamente, o maior dos perigos.
Tenho para mim uma dúvida essencial: virão a evolução política, o desenvolvimento do sentido crítico, a disponibilidade para apoiar o que pode tornar melhor a nossa sociedade, numa frase curta, uma cultura democrática “adulta”, a tempo de nos conduzir ao seio dos países desenvolvidos? Tenho muitas dúvidas. E receio pelos perigos que se amontoam sobre a democracia portuguesa. Repito, não porque tenha medo do aparecimento de um qualquer Salazar. Mas porque há mil modos de limitar a democracia a meia dúzia de aspectos formais, sem que, todavia, ela seja vivida de modo intenso, completo, eficaz e compensador. Por isso, estas reflexões em voz alta. Despidas de partidarismos. Vestidas apenas com o desejo de contribuir, do modo que melhor puder e souber, para a felicidade futura do meu Povo. Uma felicidade que se torna cada vez mais longínqua e que parece cada vez mais inacessível. Oxalá saibamos todos esconjurar os perigos. O que exige que ninguém se abstenha.
Crónica OS PERIGOS - Magalhães Pinto - "VIDA ECONÓMICA" - 26/7/2007
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