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21.7.07

A DUVIDA - 130º. fascículo

(continuação)

Creio ter visto compreensão nos teus olhos, Maria do Céu, quando te disse, secamente, disfarçando a emoção que sentia, deveres levar as tuas intenções de abortar até ao fim. Procurei coragem para te explicar porquê. Não consegui encontrá-la. A coragem faltou-me sempre nos momentos cruciais da minha vida, Maria do Céu. Mesmo quando julguei estar a agir de modo corajoso. É que a coragem e a cobardia são irmãs gémeas. Tão iguais como duas gotas de água. Tão próximas como as duas faces duma mesma moeda. Arrancara-te às garras de uma vida indigna. Penso ter sido coragem. Com o mesmo querer bem, neguei-te o direito à liberdade. A cobardia de querer ser teu dono. Lá, no Mindelo, decidi corajosamente aceitar a tua liberdade. Mandando, cobrademente, seguir cada um os teus passos. Assumia agora a coragem de permitir o assassínio do teu filho. Cobrademente incapaz de deixar viver o anátema, a acusação viva, das minhas fraquezas. Mesmo contigo, Maria do Céu... A coragem para enfrentares o teu carrasco moral de mãos dadas com a cobradia de não assumires as consequências do teu acto. Ou a coragem de encarares as consequências do teu acto, fazendo-as desaparecer através de um acto cobarde, porque praticado contra um inalienável direito duma criatura indefesa. Venham todos os teóricos dividir as, pessoas entre corajosas e cobardes, que eu digo-lhes. Conto-lhes a nossa história e cuspo-lhes na cara a coragem que, por vezes, é necessário ter para se ser cobarde. Ou, visto de outro prisma, como tantas vezes a coragem não é senão um sub-produto da cobardia. Como quer que seja, Maria do Céu, por coragem ou cobardia, não te disse porque pensava não existir para ti senão abortares. E sinto remorsos. Também se sentem remorsos pela fraqueza de um momento de coragem. Mas sinto que a tua decisão talvez pudesse ter sido diferente se o soubesses. Mais uma vez, recusei-te a liberdade de escolha na posse plena de todos os factores da decisão. Ao esconder-te saber eu quem era o pai do teu filho, intrometi-me, como um senhor todo poderoso, no ciclo da vida. Da vida toda. Da tua vida. Sem ainda imaginar todas as consequências desse meu acto. A minha necessidade de te contar tudo, hoje, é o fruto amargo desses remorsos.


(continua)
Magalhães Pinto

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