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31.7.07

MEMORIA

Estamos em Agosto. O meu Caro Leitor está provavelmente de férias. E eu também. Um tempo que não convida a pensar muito. A não ser ao Dr. José Sócrates (não sei se já reparou com que magníficos pensamentos ele nos presenteia nesta época estival). Assim, o melhor é reduzir a nossa conversa de hoje aos parâmetros que enformam uma conversa de café. Ou melhor, de cervejaria, se o tempo deixar. Com tremoços a acompanhar, que o marisco está a preços do Euro/2004. Aliás, foi o tempo deste início de Agosto que me levou a pensar que este Governo está abençoado e vai levar isto na maior. Quando toda a gente se quexava da falta de meios para combater os incêndios, eis que desabam chuvas diluvianas para contrariar os incendiários. Não sei se está a reparar, meu Caro Leitor, neste Governo a jacto. Depois de aquecidos os motores, na lenta reflexão do Senhor Presidente da República, este Governo acelerou. Formado em tempo recorde. Tomou posse em tempo recorde. Conseguiu esse feito miraculoso de demitir um Secretário de Estado e fazê-lo ocupar outra pasta durante o curto tempo da tomada de posse. Decidiu o caso GALP em dois tempos. Acabou com a guerra maioral na TAP, que já se arrastava há mais de dois anos. Vai modificar a Lei do Arrendamento, que já tem mais de cem anos. E, quando toda a gente clamava pela falta de meios para lutar contra os incêndios florestais, arranjou maneira de se entender com o S. Pedro e ponto final nos ditos. Para o ano há mais. Aqui para nós, acho que a Oposição não tem pedalada - desculpe o termo, Caro Leitor, mas também é tempo de ciclismo - para este Governo. Não se safa na montanha. Não se safa no contra-relógio. E começo a desconfiar que não se safará nem mesmo no sprint. A Oposição, claro.

É Agosto. O melhor é cavaquearmos, em lugar de reflectirmos. Por exemplo, peguemos no caso da Lei do Arrendamento. E das casas degradadas. Como está, não serve. Uma coisa justifica a outra. Não sei se é a degradação das casas que justifica as rendas baixas. Ou vice-versa. Claro que os argumentos usados para manter as rendas baixas - a incapacidade de muitas famílias para pagar mais - tresanda a falsidade. Com a agravante de que, ao que tudo indica, se irem manter tais argumentos. Imagine o meu Caro Leitor esta situação. Somos vizinhos. Um do outro e os dois de uma família velha e pobre. Você tem uma casa arrendada há muito tempo ao nosso vizinho pobre. E eu não tenho. Porque eles são velhos e pobres, Você não pode aumentar a renda. Significa isso que o meu Caro Leitor paga um imposto adicional específico para ajudar a manter aquela família. Eu, seu vizinho e também vizinho dela, não pago nada. Há aqui uma situação de injustiça entre nós dois, na qual Você sai prejudicado. O normal seria o meu Caro Leitor receber a renda justa pela sua casa arrendada e o Estado - ou seja, nós dois - atribuir um subsídio de renda de casa àquela família. Assim, pagávamos os dois. Pela via do congelamento das rendas só paga o meu Caro Leitor. Do mal o menos, digo eu. Agora, só espero que o Governo, que mexe na Lei para acabar com as casas degradadas, não permita aos senhorios das mesmas que aumentem a renda sem des-degradar as casas. Isto é. Na minha opinião, se há obras de recuperação, muito bem, mexa-se na renda. Se não há, que se lixem as rendas!

É Agosto. O Algarve está às moscas. Isto é uma maneira de dizer. Está muita gente. Quase só portugueses. Para quem esperava mundos e fundos do Euro, isto está uma desgraça. Tenho dito muitas vezes que estávamos a matar a galinha dos ovos de ouro. Tenho que corrigir esta afirmação. No Algarve, já temos prontinho o arroz dourado de cabidela. Falta só servir à mesa. Diz o meu primo Calisto - episodicamente a acompanhar-me nestas férias - que bendito seja o Algarve. "Foi a primeira região do país a resolver o problema da habitação! Há casas para toda a gente!". Eu bem lhe digo que estas casas não são para os moradores dos bairros de lata. Diz ele para eu esperar um bocadinho. Por agora, ainda só estão a oferecê-las ao preço da chuva aos potenciais turistas. "Deixa passar o Verão, primo, e vais ver como começam a arrendá-las aos locais". Esta conversa do meu primo deu-me uma ideia luminosa. Que eu ofereço gratuitamente ao Doutor Santana. Como ele está numa onda de deslocalização, pode criar um programa de incentivo à deslocalização dos moradores dos bairros de lata e dos sem-abrigo, do país todo para o Algarve. É daquelas medidas que eu chamo quadradas. Resolve dois problemas de uma vez. Acaba com o problema de gente sem habitação no resto do país e com o problema de habitação sem gente no Algarve.

É Agosto. A malta foi de férias. Grande parte dela para a estranja. Com tanta gente a viajar, é natural que surjam problemas de trânsito. De vez em quando, lá fica em terra uma mão cheia de turistas. Chovem, então, as reclamações. Mas eu pergunto-me que direito tem a maior parte para reclamar. Como, por exemplo, aqueles que se sentiram mal servidos porque compraram uma segunda semana de férias na Turquia e as coisas correram mal. Esquecem, esses, que só pagaram UM EURO por essa semana adicional num hotel. Que julgará essa gente? Que há milagres ou que alguém está disposto a pagar as suas férias? Esta história faz-me lembrar aquela do vigésimo premiado que o senhor vigário comprou. Tanta culpa tem quem conta a história como quem se deixa envolver por ela.

É Agosto. Um dos benefícios disponíveis, sobre o qual ainda não há notícia venha a ser eliminado. Para já, apenas se prevê o corte de alguns dos benefícios fiscais. Que não se canse a mão do Senhor Ministro das Finanças. Há muitos benefícios fiscais que não têm razão de ser. E há que fazer um esforço muito grande no sentido de simplificar o IRS e o IRC. O meu primo Calisto - essa inefável subconsciência minha que nunca me abandona nestas ocasiões - diz que isso deve ser obra do novo Director-Geral das Contribuições e Impostos. O raciocínio do meu primo é linear. "O homem ganha para cima de um dinheirão. Ou arranja compensações ou será o responsável pelo desequilíbrio orçamental e mais dois anos de cinto apertado. O mínimo que pode fazer é poupar ele noutros sítios o que nele outros gastam". Mas eu sei que isto é boca do meu primo. Director Geral não tem essa competência. Melhor. Não tem competência para isso. Para cortar nos benefícios. Mas o facto de eu saber isto não evita os maledicentes. Daí que é melhor que quem tem competência venha à praça e assuma que o custo dele é para ficar. Não há nada pior para o descrédito dos Directores Gerais do que insinuar-se que vai ser revista a sua posição e depois ficar tudo na mesma.

É Agosto. Um mês feito para descansar. E eu acho que já o cansei demasiado, meu Caro Leitor. Vamos ficar por aqui. Aproveite e tome aí um bom banho de mar. Mas, já agora, esforce-se por justificar, Você também, o gasto dos dinheiros públicos. Não deixe isso só para o Governo. E, se tomar banho, tome numa praia com bandeira azul. Sempre justifica o dinheiro gasto pela respectiva autarquia para a ter. Boas férias.

Crónica AGENDA DE FÉRIAS - Magalhães Pinto - 2/8/2004 - "VIDA ECONÓMICA"

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