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31.7.07

A DUVIDA - 140º. fascículo

(continuação)

Deram-nos alguns comprimidos. Para tomar se houvesse temperatura, uns. Se houvesse hemorragia, outros. Saimos. Fomos para casa. Faltei ao jornal, prevenindo pelo telefone estar doente. A meio dessa noite, Maria do Céu entrou a arder em febre. Dei-lhe os comprimidos recomendados. Cerca de uma hora depois, o lençol tingiu-se de sangue. Primeiro umas pequenas nódoas. Daí a instantes, um lago. Ficou muito pálida. Comecei a perder o norte. Quando desmaiou, decidi não esperar mais. Chamei uma ambulância e levei-a para o Hospital de Santo António. Os médicos de serviço quiseram saber a razão da hemorragia. Contei, sem dizer onde tinha acontecido. Levaram-na de urgência. E chamaram um polícia ao mesmo tempo, para falar comigo.

Evasivamente, fui respondendo ao questionário, impessoal e interminável, do agente de turno na esquadra, até começar a retinir o telefone. Dolentemente, o agente interrompeu o seu diálogo comigo. Foi atender. Dois monossílabos ininteligíveis para o bocal. Ao desligar, virou-se para mim com uma expressão simult‰neamente compreensiva e grave. Arranjaram a bonita! A sua mulher acaba de morrer com a hemorragia. Os médicos não foram a tempo...

Calei-me. Não respondi a mais nada. O peso do mundo desabara sobre mim. Provavelmente, o mundo de Maria do Céu. Jogara com ele ao ar, como uma criança caprichosa joga uma bola, e recebera-o de volta. Em cheio. Na cabeça. Na alma. Esmagando todo o meu ser. Nessa noite, não consegui adormecer na cela.

(continua)
Magalhães Pinto

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