(continuação)
Também o teu rosto denunciava medo, Maria do Céu, por mais que tentasses mostrar-te à altura da minha determinação. Os dias decorridos, desde a confusão dos acontecimentos de Paris até à realização do aborto, tinham sido penosos. Quase não nos falávamos. Nem um sorriso. Nem um gesto de gentileza mútuo. Como se fôssemos conspiradores em véspera de revolução, com receio de serem identificados. Tinha-te exigido, passar que fora a emoção daqueles momentos, a interrupção da gravidez. Aceitaste a minha exigência com facilidade. Salvo na véspera. Não entendi. Afinal, já tinhas decidido fazê-lo. E, embora as razões da nossa decisão comum fossem diferentes, também achavas não poder ficar com um filho de quem não sabias o nome do pai. Penso ter sido mais por medo do que por consciência da qualidade moral do acto que ias praticar. Desculpa... que íamos praticar. Mas não sei, confesso-te não saber se este meu convencimento é determinado ou não pelo meu receio de teres sentido, no último instante, um rebate de consciência maternal. Agravando as minhas penas de agora. Foi quase um murmúrio, um suspiro, aquela tua interrogação, Deves ter pensado que eu não ouvira, porque não me dei tão só ao trabalho de um comentário.., fosse ele de recusa. Porque não hei-de ter o meu filho? Doeu-me. Eu queria que fosse o nosso filho, Maria do Céu. Mas não era. E, por isso, a minha decisão era inabalável. Aquela criança, filha, do ceifeiro da tua inocência, incosciente arma de arremesso da tua vida para os varais da desgraça, aquele filho de um latagão fértil e, pelos vistos, bem falante com as mulheres, não podia ver o sol amanhecer...
(continua)
Magalhães Pinto
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