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27.3.07

CRONICA DA SEMANA


Somos um país de otários. Não entendemos nada. Não é de nada. Não entendemos nada da OTA. É capaz de ser atitude avisada. Na OTA sê otário, já os romanos diziam. E deve ser o que está a dar. Bastou-me ver aquele olhar de complacente supeiroridade e aquele sorriso melifluamente competente do senhor professor engenheiro que, no "Prós e Contras" da televisão - desculpem, mas não conhecia o senhor e esqueci-me do nome - a arrumar para canto os mil e um argumentos que, no debate, foram surgindo contra o NAL. Eu até ia a dizer o TAL. Até ficava bem: OTA, Otal. Meio Ota, meio Lisboa. Mas não é. É do NAL que falamos hoje. NAL. Novo Aeroporto de Lisboa. A cinquenta quilómetros da dita. Lisboa. Aliás, se se chamasse Otal, dava uma trabalheira enorme explicar porque é que seríamos onários e não otários.

Isto traz-me à memória um episódio ridículamente provinciano. Do Aeroporto do Porto. Que toda a gente chamava de Pedras Rubras. As quais, Pedras, Matosinhos dizia serem suas. Só que o Aeroporto estava um pedaço em Matosinhos e outro pedaço na Maia. Daí que cada qual, tanto Matosinhos como a Maia, reclamassem como seu o Aeroporto do… Porto.

Adiante. Voltemos à Ota. É para isso que ele será feito. Para ir e voltar. Pois parece que está tudo decidido. Pelo menos foi o que deram a entender o tal profe engenheiro e o presidente do NAL. Sim. Que a primeira coisa que fazemos em Portugal quando pensamos algo novo é nomear um presidente. Parece que este ainda não tinha sido despedido de nenhuma empresa pública ou quase pública com muitos milhares de indemnização. Valha isso. É uma honrosa excepção. Segundo os dois, é fácil saber porque é que tem que ser na OTA. Por duas razões fundamentais. Porque não há tempo e porque não há tempo. Isto é, o da Portela está a rebentar pelas costuras. Embora tenha ficado claro, no tal debate, que se os chineses começarem a viajar muito para a Europa, também o NAL vai rebentar pelas costuras muito depressa, porque não haverá mais tecido de onde alargar as ditas. Costuras. Mas não podemos correr o risco de que o da Portela rebente e derrame chineses aí por tudo quanto é esgoto em Lisboa. Nem dava jeito para o fado. Já viram o que era dizer "Ó Portela, fecha a janela", aflitos, em lugar de salvar a tradição e confirmar "Ó Portela, vem à janela!".

Portanto, não há tempo e não há tempo. Graças a Deus! Já houve tempo em que o que não havia em Portugal era o dinheiro. Agora é o tempo em qie não há tempo. E não há tempo porque vamos ter que mudar a face da terra. Salvo seja! Não estou a dizer que sejamos hitleres. Foi um modo de dizer. Porque durante cerca de dois anos e meio, vamos ter que andar a carregar terra de um lado para o outro. Julgo que isto é keynesianismo puro. Era o economista inglês que dizia, para resolver o problema do emprego: "Ó senhores! Abram buracos na rua e voltem a tapá-los!". Ah! grande Keynes! Quase um século depois, ainda há quem te siga! Pois aí vamos nós. Abrir buracos. Melhor, um grande buraco, que o nosso aeroporto não vai ser para avionetas.

...

Depois, temos que atender que há grande desemprego no país. Claro que é principalmente no Norte, onde a taxa está quase a atingir os míticos dois dígitos, que nem no tempo das grandes crises se verificou em Portugal. Mas não há problema. Como também vamos fazer o TGV, é só despachar os desempregados nortenhos - aqui, com toda a propriedade, em grande velocidade - para o Sul. Estou mesmo em crer que foi por isso que os Portugueses elegeram Salazar como o Maior Português. É que ele advogava que a maioria do país devia estar a trabalhar a terra. Foi com uma horta à porta de cada português que ele arranjou trabalho para todos. E aí vamos nós imitar os grandes exemplos. Claro que muita gente fugiu da província e será por isso que vamos trabalhar a horta à porta dos lisboetas.

Portanto, seus Otários (isto é para todos os outros menos Você, meu Caro Leitor), vamos lá deixar de discussões à volta do NAL. Sabe quem pode e pode quem sabe. Há para aí tantos espertinhos a dizer que isto não está bem. Mas se sabem, não podem. E aqueles que, eventualmente, poderiam, não sabem. E nada de preocupações com o dinheiro. Cortam-se uns subsidiozitos de emprego com o emprego na terra. Fecham-se algumas urgências porque, com a falta de tempo anotada, quem é que vai ter tempo para estar doente? Põe-se o quadro de excedentários a trabalhar a terra também. Caçam-se mais uns patifes que andam a fugir aos impostos (vulgarmente conhecidos como os Não-Otários). Cortamos nas comparticipações nos medicamentos, em antecipação à queda de preço que a eficiência de um novo aeroportio vai trazer ao seu transporte. Deixa de haver preocupação com a fome, porque com horta à porta ninguém passa fome. Se for necessário, aumentam-se as taxas moderadoras nos hospitais. E se, mesmo assim, faltar dinheiro, vão ser só uns trocos.

E teremos o NAL. Razão do nosso orgulho. Pelo menos até ao ano da graça de 2050.

Excerto da crónica UM PAÍS DE OTÁRIOS - Magalhães Pinto - "Vida Económica" - 28/3/2007

(Imagem de Wikipedia)

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