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17.3.07

A DUVIDA - 8º. fasciculo

(continuação)

Borboletas, havia-as garridas, de todas as cores, na quantidade habitual. Algumas, pousadas pelos cantos, cigarro nos dedos, pestanas em lânguido sobe e desce de mariposa fatigada. Outras, diligentemente a esvoaçar, saltitantes, por entre clientes cujas parceiras eram, por enquanto, a timidez e o desejo de bem escolher. A procura e a oferta no gráfico do comportamento local. As primeiras ofereciam-se, com ar de cigarra altiva, a quem as viesse procurar. As segundas, humildes como formigas, procuravam quem se lhes oferecesse. Todas tentando angariar, no calor da noite, o sustento para a frieza do dia seguinte. Na passagem, as andadeiras estampavam, no olhar, o sorriso artificial duma promessa a não cumprir. O anzol donde pendia o corpo, como se fora um apetitoso isco. Se o sorriso não resultava, o engodo era complementado com o bamboleio das ancas, asfixiadas nos jeans onde, certamente, haviam nascido e crescido. A concorrência era particularmente dura naqueles dias de pequena clientela, embora mais compensadora, porque feita de frequentadores inabituais, gente tida por pacata em busca duma emoção mais forte ou do alívio momentâneo dum recalcamento sexual tormentoso. Naquelas noites de mercado em desequilíbrio, o marketing imperava, levando cada uma delas a pôr cuidados especiais na diferenciação da mercadoria. Procurando adivinhar o gosto dos consumidores e as suas necessidades mais prementes. Adaptando os maneirismos aos seus desejos presumidos ou reais. Expondo generosamente o produto em embalagens reveladoras.

Pedi uma bebida, acendi um cigarro e deixei passear-se a minha observação, desinteressadamente, com os olhos habituados já ao banho de penumbra que inundava o ambiente, exceptuando a pista de dança. As "borboletas", na sua ciranda, dirigiam-me sorrisos cúmplices, à espera duma correspondência distraída algumas das vezes, ausente quase sempre. E nenhuma tentava entabular conversa, peixe velho de mais era eu para morder no apetitoso anzol estendido. E, se mordesse, se escolhesse alguma para encher o meu vazio no resto daquela noite, seria, elas sabiam-no, a Sueli ou a Zélia, minhas parceiras preferidas depois de ter corrido a maior parte delas. Com qualquer uma das duas raparigas conseguia romper o muro dos sentidos e atingir alguma comunhão espiritual, sem a qual o acto sexual, puramente mecânico, me deixava no subconsciente um sórdido sabor de animalidade viscosa. Nunca me afeiçoara à relação estritamente física, desprovida do afago dos sentimentos. As poucas ocasiões em que isso sucedera, chegara ao fim com a sensação de ter comido com as mãos e sem língua. Papas de sarrabulho sem cominhos. Sem sal. Sem nada. Por isso, aquela preferência pelas duas raparigas, com as quais conseguia fazer uma sopa rica, apesar da pedra inicial.

(continua)

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