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28.3.07

MEMORIA


Hoje é afirmado, quase sem lugar para discussão, que o sucesso das empresas está intimamente ligado à qualidade dos serviços que prestam ou dos produtos que vendem aos seus clientes. Como pressuposto deste quase axioma teórico, a noção de que os consumidores estão cada vez mais esclarecidos e que já não comem gato por lebre. Uma noção, todavia, que as empresas sabem ser falsa. Porque bastará, crêem elas, uma boa campanha de publicidade para a negar. E havemos de convir que assim é. O mercado corre atrás do que a publicidade lhe impõe. Exemplo disso é esta monstruosidade dos telefones móveis. Temos dos serviços telefónicos mais caros do mundo. Temos dos serviços telefónicos menos eficientes do mundo. Mas temos milhões de contos gastos em campanhas dos serviços telefónicos. Milhões de contos de publicidade que, naturalmente, encarece o serviço que nos é prestado. E, não obstante, batemos o recorde, pelo menos na Europa, de telefones móveis per capita.

Neste meu deambular pela pesquisa de temas que despertem sorrisos em lugar de raivas, não resisto à tentação de trazer ao conhecimento dos meus Leitores dois casos que tresandam de humor. Porventura negro. Mas o humor negro também faz sorrir, pelo menos. Dois casos que envolvem duas companhias por sinal bastante próximas. A Telecom e a TMN.

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Precisei recentemente dos serviços da primeira. Por ter mudado o meu escritório. Quis manter o número de que dispunha no anterior, na mesma cidade, a escassos dois quilómetros do anterior. Recebi a visita de um técnico. Prestou-me cerca de vinte e cinco minutos de trabalho. Admito que, além desse trabalho prestado in loco, tenham tido que mexer alguma coisa num computador lá na Telecom. Do modo como hoje são feitas estas coisas, não devem ter gasto mais de cinco minutos. Ao todo, meia hora. Paguei cerca de sessenta contos pelo serviço prestado. Entendi aí porque é que a Telecom pode fazer investimentos no Brasil. Eu pago. Cento e vinte contos à hora é seguramente mais do que leva um técnico de clonagem para fazer um ser humano. Senti-me importante por estar a colaborar no esforço da internacionalização do capital português. Ah! Grande Pinto! Vais ficar na História desta saga das novas Descobertas. Claro que não nos ficamos por aí. A Telecom decidiu debitar-me duas mensalidades de assinatura. Uma pelo local antigo. Outra pelo novo local. Achei que era esforço demais para um simples cidadão. Ou nos esforçamos todos ou haja moralidade. Reclamei. A Telecom corrigiu. Ainda bem que eu estava atento. Senão, a minha contribuição para os lucros da dita empresa ainda havia sido maior.

No fim, uma dúvida insidiosa a bailar no meu espírito. A Autoridade para as Telecomunicações só se preocupa com as tarifas das chamadas ou também com a tabela de preços para os serviços conexos? Pelo sim, pelo não, gostava que se preocupasse com tudo. Para evitar que eu fique com esta enorme sensação de poder ser roubado.
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Excerto da crónica GENEROSIDADE TELEFÓNICA - Magalhães Pinto - "Vida Económica" - 29/2/2003

(Imagem de Wikipedia)

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