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19.3.07

A DUVIDA - 10º. fasciculo

(continuação)

Zélia, nome real ou fingido ninguém sabia ao certo, era filha dum industrial abastado das Caldas da Raínha. Desde pequena fora rebelde e por rebeldia escolhera o caminho mais fácil para ganhar a independência, graças à sua elegante figura. Aí por alturas do segundo ou terceiro ano de Direito, se calhar dos dois. O tempo destinado às sebentas escoava-se, vertiginosamente, nas repúblicas da baixa de Coimbra. Vocação estranhamente falhada, uma vez que gostava da polémica cultural, lia bons autores. Não raro, as nossas noites comuns se tinham esgotado na discussão inconclusiva sobre a verdadeira e fundamental característica duma prostituta. Se o recebimento de dinheiro, pela colaboração no acto sexual, se a prática, sem desejo, de tal acto íntimo. Só vou com quem quero, como sabes!... Guardo uma independência, relativamente aos da tua espécie, que nenhuma mulher casada tem... De nada valia falar-lhe nos usos, nas convenções sociais. Formalismos!... Tudo formalismos!... Quantas mulheres ao fim, digamos, duma dezena de anos de casada, pensas tu serem ainda fiéis e dedicadas?... Quantas achas que vão para a cama com o homem delas, dispostas a darem-se sem nenhum interesse por colchão?... Realmente, nunca poderia ter sido uma jurista. Desprezava, quase cinicamente, a instituição matrimonial. E se a confrontava com o argumento de que, nem por isso, deixava de receber dinheiro, triunfantemente replicava afirmando dever eu, então, aplicar o ferrete a muitas mães de família, burguesas, bem casadas, sustentadas por homens em troca de alguns momentos de prazer, de quando em vez. Não vejo onde está a diferença entre receber, uma só vez de muitos ou muitas vezes do mesmo, o sustento de cada dia, rematava, encolhendo os ombros.

(continua)

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