(continuação)
Sueli. Nome de guerra escolhido, dissera-me um dia, por identificação com uma heroína de foto-novela brasileira. Sem nunca me revelar o nome verdadeiro. Chegara ali através dum trajecto frequente, máximo divisor comum de todas elas. Fora a filha mais velha dum motorista da carris, cuja mulher não trabalhava, para poder cuidar dos seis filhos gerados. Há muito esquecida, aquela desgraçada, vergonha da família face aos vizinhos da ilha. Cedo fora atraída pelos bailes semanais do clube do bairro. Os bailes, ao sábado à noite, eram a fuga, o escape, a alienação da atmosfera de privações, e consequente desavença, reinante em sua casa. Eram a oportunidade para extravasar a vida que lhe vinha desde o berço. Para jorrar aquela alegria selvagem que, nela, adquiria tons nervosos, contagiantes. Bem feita, sobre o redondinho, bonita, no baile era disputada pelos rapazes. Cada qual à espreita do intervalo da sorte, em que chegaria primeiro junto dela. Os ouvidos de Sueli depressa aprenderam, de cor e salteado, a entorpecente canção do amor, sussurrada pelos mais atrevidos, entre dois compassos de tango ou de slow, pernas a insinuarem-se despudoradamente em espaços interditos. Daí até um deles conseguir imolar, aos dezassete anos, o signo da sua pureza física - a moral já se fora há muito - foi o instante dum orgasmo. Felizmente, sem consequências de maior então. Tomando-lhe o gosto, Sueli juntou mais um motivo para viver aos muitos que já tinha. Começou o rodopio da escolha de cada sábado, baile a acabar em danças de primavera, pelos cantos esconsos de casas abandonadas. A gaja é fogo, diziam os mais felizes, perante a inveja dos que aguardavam vez. Não faltava quem mais presumisse, metido em brios de macho desafortunado. Por fim, o devaneio produziu frutos. Perante a repulsa dos pais, somos pobres mas honrados e tu és a nossa vergonha. E agora, o que vão dizer os vizinhos?... A fuga ficou como única solução possível, para evitar o destrambelho de cada refeição. A indecisão da primeira vez impediu o desarranjo atempado. Quando consultada, a curiosa recusara-se ao aborto, pelo adiantamento levado. A necessidade de criar a filha, junta a um certo gosto dado pelos presentes recebidos, em espécie primeiro e depois em dinheiro, fizeram o resto. Deslizara, quase insensível, do prazer à profissão. Com a ajuda daquele safado que parecia só doçuras. Durante não mais de meio ano. Depois, até lhe chegara a bater, num dia de clientela escassa. Olha, vês esta cicatriz?... Parecia uma fonte, a deitar sangue... Desde há dois anos, aproximadamente, poisava no "Borboleta", para onde a levara amiga já traquejada de ruas e bares. Não perdera, antes refinara, uma certa alegria de se dar. Quando a tratavam bem e mereciam, dizia ela. E, pelos vistos, eu merecia.
(continua)
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