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14.3.07

MEMORIA

"Naturalmente, não é minha presunção substituir-me à justiça e acusar a D. Fátima, presidente da Câmara de Felgueiras agora suspensa, de se ter apropriado de dinheiros públicos. Palpita-me que não meteu dinheiro nosso ao bolso. E, independentemente do meu palpite, é nossa obrigação presumir da sua inocência neste aspecto. Também não posso, nem devo, acusá-la de ter um automóvel particular comprado com dinheiro dos nossos impostos, apesar de o Juiz já ter mandado apreender o dito automóvel, o que faz pensar que, pelo menos ele, já não tem dúvidas. Mas é que não vou acusar a D. Fátima disso, quando há por aí muito gestor de empresas públicas que faz o mesmo. Também não vou acusar a D. Fátima de promiscuidade com o futebol. Se o fizesse e exigisse penalização por isso, o país ficaria praticamente sem autarcas.

Mas está já claro haver uma suspeita a que a D. Fátima não pode furtar-se. É de ter surriipiado dinheiros públicos do controlo público. E isso é insuportável. Tenha feito desses dinheiros o que quer que fosse. Nem que os tivesse dado a uma Misericórdia ou a uma associação para a protecção de velhinhos desvalidos. A base da organização democrática é a possibilidade de controlo público dos actos públicos. Ninguém, absolutamente ninguém, detentor de um cargo público se pode julgar acima desse controlo. Tenha os votos que tiver, ganhe com as maiorias que ganhar. A D. Fátima – e mais quem a apoiou – julgou que ter votos numa urna eleitoral era carta de alforria para fazer do nosso dinheiro o que quisesse. Não é. Nunca o será numa democracia. Ao fazê-lo, mostrou ter uma ideia preversa do que é a democracia. Uma ideia muito aparentada com a ditadura. Por isso, só por isso se mais não for, a D. Fátima tem que ser escorraçada para o limbo do esquecimento. Ela e todos os que, não só façam o que ela fez, mas também os que apoiem tal comportamento. Os autarcas não são os senhores todo-poderosos de um qualquer feudo medieval, que possam pôr e dispôr do que é nosso. São, devem ser, apenas – e já não é pouco – servidores públicos.

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Excerto da crónica INSUSTENTÁVEL - Magalhaes Pinto - "Vida Económica" - 12/1/2002

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Já lá vao mais de cinco anos...

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