(continuação)
III
Nos dias seguintes, atirei-me ao trabalho com afã, almejando esquecer o episódio de Maria do Céu. Ego amachucado pelo comportamento da rapariga. Nem o dinheiro recebera, numa afirmação de altivez que, por contraste, me rebaixava. Estava habituado a ser eu a mandar, no relacionamento com as mulheres. Na única vez em que não mandara, a minha alma sentira o ferro em brasa da impotência a marcá-la para sempre. Jurara a mim mesmo não mais me deixar enrodilhar nas lianas dos sentimentos. A ser frio, distante, dominador, como cumpria ao macho rei da criação. Maria do Céu aparecia como a primeira ameaça aos meus propósitos.
Não obstante o meu horário fosse exclusivamente do início da tarde até à entrada do jornal na rotativa, passei tempos esquecidos na redacção, desde manhã pequena até altas horas, na tentativa de dedicar toda a minha atenção aos telexes que havia de converter em notícia. Sem resultado. A lembrança de Maria do Céu não me abandonava, dia e noite. Impressa no meu espírito em escuros tons de enigma. Ao deitar-me, ensaiava afogar na leitura da última novidade literária a revisão do nosso convívio, no tempo escasso daquela noite avulsa. A voltar atrás, página sim, página não, enredo perdido em deambulações sem nexo. Cansado e ensonado, apagava a luz e ensaiava dormir, com o resultado único de progressivamente retornar a um agudo estado de excitação espiritual e recorrer, tarde jà, ao barco dolente dum soporífero, para chegar ao sono. E, mesmo assim, para a obsessão tomar, no sonho, foros de realidade subjectiva, mais correspondente aos desejos que me cegavam, quando desperto, do que à possibilidade de os realizar, adormecido.
(continua)
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