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20.3.07

A DUVIDA - 11º. fasciculo

(continuação)

Naquele dia, porém, nem Sueli nem Zélia acabariam a noite na minha companhia. Ambas tinham, pelos vistos, conseguido par. Podia vê-las a ambas, sentadas cada qual em sua mesa, tendo já bem presa no anzol da concupiscência a pescaria dessa noite.

Foi quase por desfastio que reparei nela. Sentada num recanto mais sombrio, levando pausadamante, a intermitências longas, um cigarro à boca, foram os seus olhos os carcereiros da minha atenção. Duma beleza estranha. Mesmo despidos do brilho duma alegria artificial, tão vulgar por aquelas bandas. Subrepticiamente, fui-me chegando a ela. Não a conhecia, devia ser nova. E não me tinha notado, deixando-me à vontade para a observar. Aliás, parecia só ter ali o corpo, percebendo-se perfeitamente que levava o espírito por outras paragens. Vestia um fato preto de saia e casaco, ao qual uma blusa branca, de folhos rendados e gola subida, dava um toque de rara elegância, acentuado na profundidade provocante das coxas percebidas graças à escassez de saia. Raio de enigma! Uma senhora. Uma violeta no meio de girassóis, pensei com os meus botões. Que faria ali uma senhora, a avaliar pela distinção da vestimenta? Parecia tão deslocada como um icebergue em África. Ao contrário das outras, parecia querer passar despercebida. Assim, não ia ter sucesso no seu propósito. Olhei em redor. Estava enganado. Aparentemente, tinha-o conseguido. Não ganhava, quando ganhava, da horda masculina senão um breve olhar desinteressado. No entanto, os seus olhos belíssimos, nos quais se divisava uma densa nuvem de tristeza, solidão, abulia ou lá que fosse, seriam capazes, em minha opinião, de incendiar um bloco de gelo, se porventura pegassem fogo.

(continua)

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