(continuação)
Uma noite, andava já pelos catorze anos, uma inquietação desconhecida não a deixara dormir. O sangue corria, à desfilada, no interior das suas veias, afogueando-a. Ouvidos a zumbir. Cabeça azoratada incapaz dum pensamento. Às reviravoltas na cama, enrodilhada nos lençóis a queimarem-lhe a carne, sentia-se incapaz de adormecer. A certa altura, uns gemidos vindos, pareceu-lhe, do quarto dos pais, ao fundo do corredor, prenderam-lhe a atenção. Olhos arregalados a devorar a escuridão, procurou interpretá-los. Estaria o pai doente? Pareciam-lhe gemidos. Como continuassem, levantou-se, sorrateira, e foi ver, não fosse a mãe estar a dormir e o pai precisar de ajuda. Uma fímbria de luz escapava-se pela frincha da porta, mal fechada. Evitou-a, embrulhando-se na penumbra. Espreitou para dentro do quarto. Ficou pregada, cara colada ao lambril, fascinada. Comendo as imagens com os olhos, na indagação duma interpretação inteligente. Mais intuindo do que percebendo. Em cima da cama, lençóis e cobertores cuidadosamente enrolados junto aos pés, o corpo peludo do pai, nádegas nuas lambidas pela luz a escorrer do candeeiro, escondia quase por completo o corpo da mãe, também nú, entregando-se a um ritmado vai-vem vertical, ao compasso de gemidos sibilinos, afogados pelo travesseiro.
Hipnotizada, alvoroçada com a subconsciente sensação de ter entrado num mundo proibido, Maria do Céu ficou suspensa do espectáculo. Despertou-a um rouco estertor, fazendo-a estremecer. Confundida, correu a refugiar-se no quarto. Um susto, ao quase derrubar, no corredor, a coluna de torcidos que sustentava a avenca preferida da mãe. Na consciência, uma imprecisa noção de haver cometido um pecado muito grave lutava para escorraçar a visão clara dum segredo, até aí desconhecido. A pouco e pouco, retornava ao estado de excitação que a apoquentava, desde o início da noite. Um calor palpitante foi-se apoderando do seu baixo ventre, donde irradiava, transformando-lhe o corpo num braseiro. Insensívelmente, começou a acariciar o sexo humedecido com uma mão, enquanto a outra deslizava, suavemente, dum mamilo para o outro, nos seios a despontar. Perdeu a noção do tempo e do espaço, tornada difusa pela percepção dum invisível corpo, peludo, sem rosto nem voz, enroscado no seu. Explodiu, corpo transformado num formigueiro, uma miríade de estrelas, de rara luminosidade, a rasgar a escuridão do quarto em todas as direcções.
(continua)
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