(continuação)
Por acaso ou pela ronha do Miguel, filado nela desde que o despertar das primeiras formas de mulher lhe começara a arredondar o corpo escanifrado, a Maria do Céu lhe calhara a primeira espiga de milho rei, logo por ela, conhecedora dos usos, escondida à socapa. Debalde. Postado a seu lado, com a intenção do cúmplice roçagar dos cotovelos afadigados e dos joelhos incomodatícios, o Miguel não lhe permitiu tal. Dir-se-ia, pelo alarido imediato, ter ali estado só para exercer a vigilância. Milho-rei! Ah! cachopa de sorte! E atirou-se a ela, para cumprir a tradição e pagar o tributo à bafejada. Com quantas forças tinha, Maria do Céu esbracejou, gritou, caiu, levantou-se e correu num desatino, perdendo-se na escuridão, em direçção à cortinha.
No regresso a casa, a mãe deu por ela, sentada junto à lareira onde ainda luziam algumas brasas esmorecidas. Ensimesmada, mãos entrelaçadas a apertar os joelhos com violência. Recriminou-a. Nem pareces mulher, rapariga!... É bom de ver que uma rapariga séria não se deixa emporcalhar por um rapaz na primeira ocasião; mas ali, à frente de toda a gente, que mal tinha um abraço e dois beijos respeitosos?! Não passava de brincadeira! Assim começou o namoro do teu pai comigo! E nunca ele me tocou, de modo mais atrevido, antes de passarmos pelo altar!... Fala, diabo de rapariga! Diz alguma coisa! Pareces um avantesma!...
Maria do Céu manteve-se calada, olhos fixos no braseiro quase reduzido a cinzas. A referência ao pai despertara nela a visão maldita dum corpo nú, peludo, a esmagar, no meio de línguas de fogo idênticas às do pedestal do arcanjo S. Gabriel, o corpo esbranquiçado duma mulher, sem rosto, de cujos seios jorravam dois rios de leite, caudalosos.
(continua)
Sem comentários:
Enviar um comentário