. . . OS SINAIS DO NOSSO TEMPO, NUM REGISTO DESPRETENSIOSO, BEM HUMORADO POR VEZES E SEMPRE CRÍTICO. . .
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10.4.07
MEMORIA
Há muito tempo, vem esta minha coluna reflectindo as preocupações, nos mais diversos domínios, da subversão completa das regras negociais. Desapareceu, quase por completo, a honestidade que era a base de todo o comércio (aqui tomado o termo em sentido lato, abrangendo toda a actividade económica). Hoje, seria impossível assistir ao suicídio de um homem de negócios tão só por ter uma letra a pagar e não o poder fazer. E, vamos lá, nem tanto seria necessário. Mas o gesto, que não foi tão incomum como poderá pensar-se, ainda há menos de um século atrás, falava de como estavam no negócio os homens de negócio.
Tudo o vento levou. Se não chega a experiência de cada um, basta ler os jornais. A fraude é um dos factores do negócio a que os especialistas têm que passar a tomar como variante. Toda a gente tenta levar toda a gente, passe o exagero. As facturas cobradas por serviços não prestados pelas grandes empresas monopolistas ou cartelizadas. Os encerramentos das empresas e o despedimento de trabalhadores, depois de exauridos, sabe-se lá por que cano de esgoto, os subsídios recebidos exactamente para o não fazer. A ruptura unilateral dos contratos, designadamente nas condições de pagamento, com atrasos inadmissíveis e, muitas vezes mesmo, injustificados a não ser pela ganância. A falta de pagamento dos impostos que sejam legitimamente devidos. A manipulação das cotações na Bolsa, levadas a cabo por gestores sem escrúpulos, por ambições ilegítimas e moralmente condenáveis. A gestão em tantos casos demagógica da coisa pública. As falências fraudulentas.
Centremo-nos nestas últimas. Acaba de ser publicada legislação para punir os fautores de falências fraudulentas. Sinceramente, não percebo porquê e para quê. Em primeiro lugar, porque já existia legislação que punia as mesmas. E, apesar disso, elas não terão deixado de existir, como a publicação de nova legislação parece provar. É que o problema das falências fraudulentas não é punir os seus autores. É conseguir provar que há fraude na falência. E isso, vai continuar. Só um ou outro incauto e inabilidoso é que deixa o rabo de fora. Os outros, que são a grande maioria, sabem esconder muito bem - em contabilidades bem urdidas, em incêndios providenciais, em condições macroeconómicas desfavoráveis - a gordura que, neles, não desaparece.
Para ser verdadeiro, devo também confessar que já não entendia o argumentário legal relativo às falências. Uma falência é a confissão de uma de duas coisas: ou da desonestidade ou da incapacidade para ser comerciante (aqui também tomado o termo em sentido lato). E um ambiente são de actividade económica não devia ter pudor em expulsar das funções desempenhadas seja os desonestos, seja os incapazes. Donde, haver uma sanção a aplicar antes da averiguação da existência de fraude ou não. A inibição definitiva e vitalícia de exercer a actividade de empresário ou de gestor. Ligado, fosse quem fosse, a uma falência, a única alternativa deixada aos donos e gestores ligados a uma falência deveria ser a de trabalhadores independentes ou por conta de outrém. E, só depois, se conseguida a difícil prova da fraude, haveria lugar a procedimento criminal.
A perturbação inserida, pela fraude, na actividade económica é, seguramente, uma das razões maiores para o subdesenvolvimento. Uma razão que justificaria uma atenção permanente dos cidadãos contra ela. No fim, ficamos quase todos a perder com a fraude. Mesmo aqueles que dela tendo beneficiado, transitoriamente, pensam que não. Por isso é que assistimos ao súbito aparecimento, e não menos súbita saída de cena, de alguns "heróis" nacionais, regionais e locais. Risíveis marionetas deste teatrelho de feira em que a fraude sistemática transforma o país. Mas, enquanto estão em cena, tais actores conseguem transformar o país numa tragicomédia. Na qual eles são os comediantes e os desprovidos de força as vítimas da tragédia por aqueles encenada. Importaria, por isso, saber se não há modo de colocar um ponto final no espectáculo. Não é fácil.
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Excerto da crónica A FRAUDE - Magalhaes Pinto - "VIDA ECONÓMICA" - 30/3/2003
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