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29.5.07

CRONICA DA SEMANA


Há longos anos, mais propriamente pelos inícios da década de noventa, desenrolava-se, no BCP, uma luta sem quartel. De um lado, Américo Amorim, detentor de 20% do capital do Banco, seu accionista principal. Do outro lado, o gestor competente que os promotores do Banco tinham ido buscar ao BPA, Jorge Jardim Gonçalves, engenheiro, então presidente do BPA a convite de Mário Soares. Recordo esses momentos com a citação do conteúdo do meu livro "A OPA", editado pela Vida Económica, sobre o tema:

"A fim de ter as mãos livres para realizar o plano expansionista traçado, Jardim tem que reduzir a força accionista de Américo Amorim. E inicia o processo de blindagem dos estatutos, reduzindo o poder máximo de qualquer participação a 10% dos votos. Apoiado nas procurações de uma imensa legião de pequenos accionistas e com o apoio dos accionistas institucionais mais pequenos, Jardim sai vencedor da batalha. O processo determinaria, inclusivamente, o afastamento do Banco Popular Espanhol, accionista da primeira hora, alegadamente descontente por Amorim ter sido tratado ‘como nenhum accionista com apenas dois por cento teria sido tratado em qualquer banco europeu, quanto mais com vinte’.

Concluída a blindagem, Amorim já está disposto a sair. Mas só em Março de 1993 a oportunidade se apresentará. Pacientemente, Amorim teceu a teia de representações que, mesmo com os estatutos blindados, lhe pode permitir a detenção duma maioria. Gasta cento e cinquenta mil contos na contratação de advogados que lhe consigam as procurações de votantes detentores de ADR’s. E consegue-as. Na posse dessas procurações, avança para a Assembleia Geral Ordinária. Antes da Assembleia Geral, apresenta um ultimato a Jardim. Ou este lhe adquiria a posição ou iam ter Assembleia até às calendas. Com todos os reflexos negativos que tal podia ter nas cotações dos ADR’s em Nova Iorque.. Podia mesmo acontecer que aqueles fossem retirados da cotação.

No próprio dia da Assembleia, e antes desta ter início, Jardim assusta-se. Pela listagem de presenças asseguradas, apercebe-se que Amorim detem a maioria do capital votante, embora este não saiba. Tem, uma longa conversa com ele. Procura mostrar-se frio e seguro. Amorim não sabe que tem a maioria. E concede um prazo a Jardim para encontrar comprador para a sua posição. Jardim vai respeitar esse prazo, embora à custa da admissão de uma instituição que ele não desejaria ver no BCP: o Banco Central Hispano-Americano.".

Correu o tempo. Pelo meio ficaram operações concluídas com sucesso – o caso da OPA sobre o BPA, por exemplo, e de insucesso, os casos das operações na Polónia e no México, por exemplo. O Banco cresce até se tornar na maior instituição financeira privada de Portugal. Até que chegamos a 2007, o ano da desgraça. Tudo começa com a tentativa de tomada de assalto do BPI. Falhada. Inclusivamente de um modo humilhante. O BCP não conseque comprar sequer quatro por cento do capital do Banco visado. Jardim Gonçalves, entretanto saído da direcção executiva do banco para o Conselho Superior - o qual tem funções meramente consultivas - tem novo susto. Por um lado, o Banco fica vulnerável a ofensivas alheias e, por outro, os responsáveis do Banco ficam na mira dos accionistas. Decide, então, avançar com propostas que visam vários objectivos

- aumentar a blindagem dos estatutos, para impedir agressões alheias;

- retirar dos accionistas o poder de designar a direcção do Banco, colocando-a nas suas mãos;

- ter o direito de assistir as reuniões da direcção superior, o que, naturalmente, não seria só para passar tempo a ver o que se corria.

Surge como muito evidente que Jardim Gonçalves pretendia, sobretudo, recuperar o poder de que já dispusera, neutralizando, atrevés de manobras burocráticas, os accionistas, tal como já fizera, nos anos noventa, com Américo Amorim.

Só que os ventos não correram de feição. Os tempos já não eram os mesmos e os accionistas eram outros. E a Jardim Gonçalves estava reservado, como resposta a esta sua manobra, uma atitude esmagadora e que só não foi humilhante porque, como costuma suceder nestas coisas, até nos plenários de trabalhadores, a sua proposta foi retirada da discussão antes de ser votada. Tudo isto não sem, antes, ter que ouvir frases extremamente contundentes provenientes dos accionistas. Foi Joe Berardo o porta-voz mais audível do que pensava uma boa parte dos bastidores. Recordo duas frases com particular vexame:

- "O Banco não é a Igreja Católica, que quando nomeia um Papa é para toda a vida";

- "Se quiser que o Banco seja seu, que faça uma OPA".

Não sou um especialista sobre o currículo de Joe Berardo. Sei que foi um emigrante muito jovem, para o Canadá, que lá fez fortuna, que tem sabido multiplicá-la e que, ao contrário de muitos outros, tem vindo a investi-la no seu país. Mas é um homem de raiz muito diferente da de Jardim Gonçalves. O que ele disse a Jardim Gonçalves, se retirarmos os ornamentos das frases, foi, pura e duramente, o seguinte: "Rua!".

Profunda ironia. Jardim Gonçalves foi um dos maiores "desempregadores" do país. Basta recordar o que aconteceu no BPA. Apesar de ter afirmado, no documento em que lançava a OPA sobre essa instituição, que não estava prevista a perda de postos de trabalho no seguimento da OPA, a verdade é que, menos de dois anos depois, algo que se afirma ser mais de noventa por cento dos quadros do BPA tinham desaparecido das suas funções. Jardim foi também um dos maiores predadores de instituições existentes na nossa economia. Chegou o momento em que alguém repete para ele o gesto que, a seu mando, foi mostrado a tantas pessoas. O dedo apontado para a porta.

Mesmo para quem não morre de simpatias pelo homem, como eu, é triste. Seja como seja, tem uma obra para mostrar. Redundou essa obra sobretudo, em benefício seu e dos seus apaniguados? Não sei. Mas a obra está aí. E é triste ver que alguém, com algum valor e inteligente, não consegue discernir quando é o momento de se afastar. Recordo as palavras de outro homem que muito apreciei, Daniel Pina Cabral, meu co-administrador de algumas empresas do Grupo BPA, quando, em resposta à minha estranheza por desejar aposentar-se quando ainda estava muito capaz de dar a sua colaboração profissional, me disse:

- Quero ir-me embora enquanto me querem cá; porque não há nada mais triste do que estar cá quando nos querem mandar embora.

Jardim Gonçalves não soube sair. Acontece muitas vezes com homens a quem o poder obnubila. Demasiado poder faz perder a visão relativa das coisas. E faz, essencialmente, perder de vista a realidade de que a glória é sempre vã e transitória.

Crónica RUA! - Magalhaes Pinto - "Vida Económica" - 31/5/2007

(Imagem de mocho.weblog.com)

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