(continuação)
XII
A recordação da nossa visita à Torre Eiffel é linda, Maria do Céu. Infelizmente, não tardou a ficar em más companhias. Mais uma escolha minha, infeliz, à qual nem sequer posso chamar impensada. Infeliz, embora abrigada na mesma nobre intenção de sempre. Creio ter sido culpa da minha cegueira involuntária. Do modo como perseguia o objectivo da tua libertação do passado. Cego, eu não via que a insistência em tocar nessa chaga, ainda aberta, apenas podia fazê-la sangrar. E, talvez pior, o modo demasiado rápido como quiz chegar a esse objectivo, como se tivéssemos uma avenida pela frente, talvez seja o responsável pelas quelhas e vielas que houvemos de percorrer.
Saimos da Torre e caminhámos lado a lado com o Sena, pela margem direita, ao longo das mil e uma quinquilharias dos vendedores ambulantes. A seguir ao Louvre, atravessámos para a Cité. A comer umas castanhas compradas à entrada da ponte. Parámos na Conciergerie. Para recordar uma outra Maria, mártir necessária duma revolução inevitável. Maria do Céu parecia feliz. Com a mão a envolver o pescoço, como para evitar uma guilhotina invisível, perguntou-me se aquele touro do quadro que tinha lá em casa também tinha sido vítima da mesma revolução. No largo fronteiro a Notre Dame, um mimo tentava abrir, ante meia dúzia de basbaques, a sua caixa de Pândora. Ora com uma expressão de doçura, ora carregando o cenho em esgares de monstro, percorria com as mãos paredes invisíveis, à procura duma porta. De início Maria do Céu não colheu o significado da pantomina. Expliquei-lha. Não gostou. Da história. Que não do mimo. Ao lado, deste, ao som dum trompete, uma miúda, não mais duma dúzia de anos franzinos, contorcia-se como feita de spaghetti já cozinhado. Uma esmeralda de palmo e meio, a que nem sequer faltava uma cabrita, ainda mais esquálida, ao lado, num apelo à memória turista do romance universal. Começava a ser tarde para levar Maria do Céu à Pigalle. Entrámos na primeira estação de metropolitano que encontrámos. Saimos na de La Rochechouart. Subimos o pequeno declive. Num teatro, os cartazes anunciavam o Oh Calcutta. Maria do Céu, com um sorriso divertido, parou a olhar para os pénis pendentes dos artistas, fotografados em cena, como se fosse a primeira vez que via os apêndices. Passámos por dois pretos, a vender africanices. Comprei um colar de contas feitas duma pedra esquisita, doirada escura, olho de tigre, disseram eles, que pendurei de seguida no colo de Maria do Céu. Chegámos à zona dos sexy-shops e dos espectáculos eróticos.
(continua)
Magalhães Pinto
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