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30.5.07

A DUVIDA - 82º. fascículo

(continuação)

Só mais tarde, viria a ganhar significado para mim o teu comportamento do resto da noite, Maria do Céu. O modo fugidio como te despediste do Miguel, a deixares correr os teus dedos na mão dele, num cumprimento fugaz, como se ela estivesse em brasa. A tua fuga hotel adentro, sem mesmo esperares por mim. O modo célere como, no quarto já, te desembaraçaste do vestuário. Os monossílabos de resposta aos meus comentários sobre o serão. Como simuláste adormecer rapidamente, voltando-me as costas e não respondendo às carícias que, com a mão direita, fiz nos teus seios. Como abruptamente e com o calcanhar, me empurraste as coxas, quando o meu sexo erecto procurou encontrar abrigo nas tuas nádegas. Era como se, de repente, a antiga frigidez voltasse a fazer parte de ti. Senti frio, também. Mas recusei-me a aceitar a ideia. Nada se passara, a justificar uma mudança tão abrupta. Fiquei longo tempo acordado, olhos fixos na escuridão, virando-te e revirando-te em todas as direcções. Parecia um oleiro a ver girar, diante de si, a infusa de barro mole, tentando moldá-la com as carícias dos seus dedos, e que, de repente, dá por que o barro secou, ainda disforme, sem ter conseguido acabar a obra. Insisti. Apetecia-me dar um murro na vasilha, estilhaçando-a, para recomeçar. Procurei desesperadamente uma explicação. Debalde. De certeza apenas tive, nessa noite, que tu também não dormiste, Maria do Céu. Ou, se dormiste, foi um sono muito perturbado. A tua respiração irregular não enganava.

(continua)

A. Magalhães Pinto

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