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11.7.07

A DUVIDA - 120º. fascículo

(continuação)

XXII

Ao descermos as escadas do caveau, em Paris, Maria do Céu sentiu uma vertigem. Como se fora um raio das tempestades frequentes, assustadoras da sua infância, o passado regressou à sua presença, despertando temores esquecidos. Na mesa lá ao fundo, para onde nos dirigíamos, estava o Miguel. O ceifeiro da sua inocência, em Rala. O olhar turvara-se-lhe. Tentou fugir, mas foi impedida pela firmeza do meu pulso. Talvez eu não tivesse notado, mas fora praticamente arrastada por mim, em direcção à mesa- Onde estivera sempre calada, todo o tempo, incapaz de se situar no presente. Não ouvira sequer as nossas conversas. Como um uatómato, sorrira quando os outros riram. Não saberia contar absolutamente nada passado à sua volta durante esse tempo. O cheiro a macho do Miguel na cortinha do Ti'Joaquim enchia-lhe as narinas, verrumando-a, agoniando-a a ponto de sentir vómitos. O ventre comprimia-se-lhe até à dor. A certa altura, a perna de alguém tocara-a no joelho, sobressaltando-a. Levantara-se inopinadamente, como se um ferro em brasa a tivesse queimado, pensando ser a perna do Miguel. Aproveitou para ir ao quarto de banho. deixara a água fria do lavatório escorrer-lhe pelas faces, tentando acordar dum sonho mau. Quando eu aceitara que o Miguel nos transportasse ao hotel, apetecera-lhe gritar-me, bater-me, arranhar-me até fazer sangue. Fizera toda a viagem no banco de trás, assistindo à conversa entre mim e o odiento macho. Pela primeira vez, desde há muito tempo, lembrara-se fugazmente do Senhor dos Passos, pedidndo-lhe para a tirar dali. Por mais duma vez, quandos e cruzavam com outras viaturas, àquela hora a circularem rápido, sentira ganas de se atirar ao volante, torcendo-o, até se desfazerem todos contra uma delas. A chegada ao hotel fora um alívio.

(continua)
Magalhães Pinto

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