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13.7.07

A DUVIDA - 122º. fascículo

(continuação)

Tocou a sua sensibilidade quando, com os olhos brilhantes, lhe trejutou que, se ela não tivesse desaparecido de Rala, teria assumido o sucedido. Teria casado com ela e, como a guerra colonial não acabara e ele não estava na disposição de ir bater com os costados em África, ela seria, provavelmente, sua mulher em França.´Vivia bem. Poderia sustentá-la. Lembrando-se, amiúde, daquela que deveria ter sido a mãe dos seus filhos. Aos poucos a sua raiva fora-se esvaindo. E, em seu lugar, começou a surgir a satisfação da mulher requestada. Convidou-a para almoçar. Durante o almoço, Miguel quase não comeu. Falara, falara, ininterruptamente. Chegou a agarrar a mão dela, com carinho. Pelo menos, pareceu-lhe haver carinho naquele gesto. Não retirara a mão. Tinha-lhe sabido bem, não obstante o estremecimento. Ele notou, porque começara a afagar-lhe as costas da mão com o polegar.

Quando o alomoço acabou, entraram para o automóvel dele. O Miguel perguntara-lhe se ela não queria ver onde ele morava. Depois iriam dar uma volta. Ele queria mostrar-lhe a Paris desconhecida dos turistas. Morava num sítio decente. Ele não seria capaz de viver nas condições miseráveis daqueles compatriotas vindos para França com o fim de, como eles diziam, endireitarem a espinhela. Não sabia porque aceitara ir ao apartamento dele. Ou melhor, porque não recusara, uma vez que tinha permanecido silenciosa. Era como se estivesse a assistir a um filme no qual ela não entrava. Era outra a personagem. A banda sonora era, ainda, a repetição monocórdica do grito virginal de uma rapariga no momento de passagem a mulher. Curiosamente, já com o timbre dos gemidos de prazer. Sentira-se estranhamente poderosa. Era como se, de súbito, aquele homem estivesse ali para satisfazer os seus caprichos. Era como se, a cada frase, ele lhe suplicasse uma voz de comando, à qual obedeceria cegamente.

(continua)
Magalhães Pinto

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