(continuação)
Ainda o Zé António mal sabia andar e já um irmão viera fazer-lhe companhia. E logo a seguir outro. E outra. Quando o tempo da primária chegou para o Zé, já eram lá em casa quatro bocas a devorar e duas a mordiscar. Foi quando o Tóne do Valado resolveu ir tentar a sorte lá para as Franças. Afinal, a tantos ela sorrira. Sempre podia ir desenrascar-se, para mandar e trazer algum. Que aquilo não era vida de cristão, com a conta na venda do Zé Migalhas a aumentar a olhos vistos a cada semana passada. Não que fosse ideia do agrado da Jacinta. Mas tanto ele atazanou, tanto remoeu, tanto malhou, que ela acabara por anuir. A gente não se safa, mulher! Isto assim não dá nem pró coalho! Não vês a tua prima Ermelinda, como ela já vive bem com a massa que o homem manda? Resistências quebradas, abalara. Sem ter chegado a apreciar como o Zé António era esperto, sempre o melhor da classe. O professor quisera mesmo, um dia, conhecer os pais do moço para lhes gabar a obra. Mas só conhecera a Jacinta. E o Tóne viria a saber do sucesso daí por uma semana, quando chegara a carta dela. Cartas que andaram, entre lá e cá, durante quase três anos. Com algum dinheiro à mistura, logo abatido ao monte, na venda do Ti'Migalhas, mal chegado. Mas depois as cartas começaram a rarear, a rarear, até que não apareceu mais nenhuma. A Jacinta ainda pedira ajuda ao senhor Macedo para localizar o marido. Sucedera-lhe alguma coisa, lamuriava-se ela. O senhor Macedo era poderoso, tinha muita gente conhecida na capital. E estes conheciam certamente muita gente na estranja. O deputado escrevera, ele próprio, a alguém lá das Franças. Mas do Tóne do Valado nem rasto. Tudo quanto se soube fora que um dia deixara o bidonville, despedindo-se dos amigos. Dissera ir regressar a Portugal. Não souberam mais dele.
(continua)
Magalhães Pinto
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