(continuação)
O sangue aqueceu-se-lhe pela primeira vez naquela manifestação da baixa, em protesto contra a guerra colonial. Não eram muitos, os manifestantes, que os mortos de África ainda iam no princípio. Mais os basbaques do que os manifestantes e os polícias, todos juntos num confuso jogo de cabra-cega. Burlesco. Trôpego. Excepto para aquela senhora idosa a atravessar a rua, de lá para cá, calmamente, com toda a dignidade no meio da barafunda. A rapariga de rabo de cavalo afastou-se maquinalmente para a deixar passar. Foi quando reparou nela. Era bonitota, a miúda. Rafaela, soube depois. Cabelos longos, meio aloirados. Ou castanhos, mas muito claros. Foi-se aproximando, para a apreciar melhor. Estavam quase lado a lado, à chegada dos canhões de àgua da polícia. Entusiasmada, ela não se dera conta de estar na mira. Apercebendo-se, ele interpusera-se entre o canhão e a rapariga, envolvendo-a nos seus braços, enquanto a arrastava para o precário abrigo duma ombreira de porta. Sem grande sucesso, aliás. O regador sabia o que estava a fazer. Sentiu a pancada da água nas costas. Porra! Aquilo não matava mas doía à brava. O agradecimento a brilhar nos olhos da rapariga, quando puderam escapar-se da confusão, fora compensação suficiente para a dor sofrida e os incómodos. O sangue nas veias parecia também estar em fuga, quando mergulhou naqueles olhos cheios de vida, endiabradamente saltitantes, numa atracção quase hipnótica. Atracção transformada rapidamente em prisão, quando Rafaela se mostrou uma mulher de fogo, na cama do seu quarto humilde e desarrumado, para onde foram no intuito de secar as roupas. Recolhera a sua virgindade com alguma surpresa. Tudo fora muito rápido. As virgens costumavam ser mais recatadas.
(continua)
Magalhães Pinto
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