(continuação)
Não se atarantou em Lisboa, para onde foi, prometendo à mãe não seguir as pisadas do pai. Achara trabalho num banco, sem muita dificuldade. Felizmente, as vagas eram muitas. Excediam as cunhas. Sorte de aldeão jovem e esperto, recém-chegado à capital. Sorte a que a fome das guerras de África por homens a despertar não era alheia. Chegado à Faculdade, numa carreira escolar fulgurante, juntara-se, naturalmente, às tertúlias mais contestárias. Encontrava aí eco para o seu grito. Um grito que as fragas da montanha jamais tinham repercutido. Dera nas vistas rapidamente e fora recrutado, fidelidade alforriada, para uma célula organizada de agitação. Só mais tarde viera a saber ser de inspiração comunista. Tanto lhe fazia. A sua ideologia fora bebida no egoísmo do pai, no suor da mãe, no choro dos irmãos, na chuva a escorrer cara abaixo para disfarçar as lágrimas, na neve a gelar os lábios e a ponta do nariz. Tanto lhe fazia. O que era preciso era gritar o erro daquela sociedade egoísta e exploradora da fragilidade dos pobres, como ele. Pela primeira vez, encontrava alguém para quem a solidariedade não era desconhecida. Depressa aprendeu, nas páginas do Avante, chegado às suas mãos sempre de noite, ser necessário partir tudo. Para acabar com os pobres. Para acabar com os putos na Guarda a trabalhar à saída dos cueiros. Miúdos que, logo crescessem, haveriam de malhar com os ossos em África, na defesa das roças dos poderosos.
(continua)
Magalhães Pinto
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