É cíclico e não há nada a fazer. Aí estão os mercados financeiros a contrair-se. Assustados, milhões e milhões de euros voam do investimento directo nas acções e, sobretudo, dos fundos de investimento. Um fenómeno que engendra um efeito perverso. Quanto mais voam os euros mais curtas lhes quedam as asas. No final do processo, mais uns tantos vão ficar a amaldiçoar o dia em que decidiram investir no mercado de capitais. Entre esses tantos não estarão, seguramente, os bancos. Por norma, também, os administradores dos mesmos fundos. Os quais ganham comissões quando o dinheiro entra e quando o dinheiro sai. Pelo meio, e em período de expansão, ficam os apelos entusiasmados dos seus agentes junto dos clientes, para que invistam nos fundos respectivos. Para que o convencimento seja total, lá vêm, a acompanhar a euforia, relatórios bem desenhados a demonstrar os índices de performance de cada fundo.
Devo confessar que não me resta nenhuma simpatia, nem pelos fundos, nem pelos bancos, nem pelos investidores, nem pela roleta onde todos se encontram, chamada Bolsa. O investimento no mercado de capitais é objecto de uma abordagem, por todos os intervenientes, muito semelhante à promoção dos casinos. O argumento de venda do produto tem sempre por nota dominante o ganho fácil e rápido. O argumento de compra é semelhante. E, todavia, se tivermos presente que a valorização das parcelas representativas do capital de uma empresa deverá acompanhar a valorização real dessa empresa, vemos com clareza que os ganhos ou as perdas de valor dessas parcelas, no mercado de capitais, é, a curto prazo, perfeitamente aleatória e produto de um fenómeno que tem tudo de virtual. Tomemos o exemplo da razão próxima deste mini-crash a que estamos a assistir. O crescimento do crédito malparado nos Estados Unidos. Alguém me dirá porque razão é que isso há-de influenciar o valor de uma empresa como a SONAECOM, por exemplo? E, se não influencia ou, porventura, influencia apenas atomicamente, porque razão há-de a cotação dessa empresa baixar na Bolsa?
A verdade é que o fenómeno se verifica. E segue-se um comportamento irracional. O investidor em partes de capital – com mais acentuada visibilidade daquele que investe nos fundos de investimento – esquece-se de que é sócio da empresa cujos títulos ou partes de títulos detém. E que um sócio nunca deve retirar dinheiro da empresa de que é sócio quando ela está a “perder” valor. Retirar dinheiro nesse momento é aprofundar as dificuldades e potenciar as ditas “perdas”. Aqui, entramos realmente numa luta entre sócios. É o “salve-se quem puder”. Cada um tenta encontrar um potencial sócio que lhe fique com a parte detida. Subjacente a este comportamento está uma ideia curiosa. Quando, em queda do valor de um título na Bolsa, alguém procura desfazer-se dele a todo o custo, é porque presume que há outros intervenientes no mercado que são menos inteligentes – sejamos claros, que são uns burros – disponíveis para adquirir aquilo de que nos queremos libertar. É um fenómeno curioso, este. Porque, se isto fosse verdade, quem agora se quer desfazer dos títulos já esteve do lado dos burros, quando os adquiriu. Não consigo resistir a um íntimo sorriso de ironia perante estas contradições.
Claro que estou a ouvir muito bom investidor do mercado a gritar – porque estas ocasiões são sempre de gritos – aos meus ouvidos: “ E o que é que você quer? Que eu fique com os títulos quando os outros fogem, a vê-los perder valor?”. A pergunta tem razão de ser. Mas conduz a uma conclusão no mínimo preocupante. Isso quer dizer que o comportamento de cada um, face aos seus investimentos, está assente no comportamento dos outros e não em fenómenos reais. É como se estivéssemos à volta da roleta com mais jogadores e ficássemos à espera de que os outros perdessem bastante para, depois e confiantes na probabilidade estatística, arriscarmos algum a ver se nos sai pelo menos parte do que eles perderam. Claro que não vai sair. Porque, após um suficiente número de jogadas de todos os jogadores – isto é, a longo prazo - só uma entidade sai verdadeiramente a ganhar, o casino. Esse, não arrisca nada no jogo. Só organiza o jogo. E cobra-se bem por isso. E não é de excluir que o dono do jogo faça batota. Tem todos os meios para isso. Mesmo com os fiscais do jogo presentes, chamem-se eles CMVM ou outra coisa qualquer, pode haver modo de falsear os resultados.
Parece, então, que os desgostos que o mercado traz com alguma periodicidade têm por factores essenciais os seguintes:
- Por um lado, a atitude irracional dos investidores, que retiram dinheiro do mercado quando nele deviam investir, para que as perdas não sejam potenciadas;
- A própria natureza do jogo que, além de ser manuseável por aqueles que verdadeiramente nele podem intervir individual e consequentemente.
Tomando o primeiro dos factores como inelutável, por pertencer à própria natureza humana (quem tem acções tem medo) fica-nos o segundo factor para discutir. Porque esse não é inerente à condição humana. Esse surge da decisão voluntária das autoridades do mercado e dos agentes que são donos do jogo. Isto é (uma conclusão violenta esta), o funcionamento do mercado de capitais assenta na exploração dos desejos de ganho fácil que são inerentes à maioria das pessoas. Mas, se é assim, deveria ser proibido. Bem sei que também se autorizam os casinos. Mas há imenso cuidado nisso. E, de qualquer modo, há uma diferença muito grande entre os casinos e a Bolsa que, todavia, não é tornada clara. Quando entramos num casino, já sabemos ao que vamos. Vamos confiar que decisões aleatórias de objectos inanimados – a roleta ou os caça-níqueis – sejam a nosso favor, sabendo de antemão que, na generalidade dos casos, não vão ser. Enquanto o mercado de capitais nos é apresentado como uma actividade séria e racional. E, contudo, muitos dos fenómenos que nele se passam nada têm a ver com uma decisão aleatória de objectos inanimados, sendo antes produto de pensamentos muito bem elaborados de quem, do mercado, tem as rédeas.
Não tenho grandes esperanças de que os comportamentos sejam alterados. Não espero que os investidores no mercado de capitais se sintam sócios das empresas nas quais investem. Não espero, também, que os investidores não fujam como os ratos de um navio a afundar-se. Já não seria pedir muito, em favor de um crescimento racional de quem investe, esperar que a legislação obrigasse – tal como o faz em relação a muitos produtos – os vendedores, no momento da compra, a alertarem formalmente os compradores dos riscos que correm. Mas fico-me por um objectivo bem mais modesto: que um qualquer dos meus leitores, após ler o que aqui escrevo, passe de investidor cego a investidor consciente. Que jogue mas que tenha a consciência de que está a jogar.
Crónica MINI-CRASH - Magalhães Pinto - "VIDA ECONÓMICA" 19/9/2007
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