(continuação)
Os dias de Zé António tornaram-se mais longos, a partir daí. Fado corrido, como o da mãe. Acordar com os galos. Lide da casa. Amanho das terras. Tratar dos irmãos. Comer a côdea. Abalar para a escola técnica ao cair da noite. Regressar, daí a três ou quatro horas, ao aparente conforto do colchão de folhelho e da manta da serra ponteada aqui e além. Um sono pesado, sem sonhos. Pelo menos, nunca se recordava de os haver tido, quando acordava. Para recomeçar. Todos os dias. Com a chuva e, quando o inverno lambia a serra, com a neve por companhia. Vento agreste a rasar os pelos da barba, quando estes começaram a aparecer. Primeiro ralos, como a urze lá mais para o topo. Pouco a pouco feitos em mata. A natureza repetia-se nos traços do rosto progressivamente endurecidos do rapaz.
Os degraus foram sendo subidos, com a facilidade de sempre. Não obstante o esforço para diminuir a carga da mãe, uma autêntica escrava que do pão não via senão a farinha por entre os dedos. A suficiente para a conta no Zé Migalhas viver sempre periclitantemente equilibrada entre os fornecimentos para apontar e os pagamentos do fim do mês. O aproveitamento na escola técnica não desmentiu o passado. Uma raiva, pouco habitual nos pobres, parecia gravar cada ensinamento, a fogo, no espírito de José António. Era forçoso ir ainda mais longe, pensava revoltado, para libertar a mãe daquele esforço desumano. E poder ajudar os irmãos. A revolta acentuada pela circunstância de não poder continuar os seus estudos lá na Guarda. A única alternativa era partir para Lisboa e continuar aí, no Instituto Comercial, para tentar mais além. Maldito destino aquele, de nascer nas faldas da serra e não em Lisboa! Porque haviam os outros de ter oportunidades a si negadas? E aos irmãos?
(continua)
Magalhães Pinto
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