(continuação)
IV
As fragas da serra tinham acolhido os primeiros vagidos de José António. Como se foram balidos de ovelhas a caminho do redil, depois do tasquinhar dum dia. Eram só os três na rearranjada casa, há séculos arrancada ao granito da montanha. O pai lá se encarregara das águas quentes e a mãe tratara do resto. Só no dia seguinte os vizinhos haveriam de saber do seu nascimento, quando o Tóne do Valado correra à vila, esbaforido, para anunciar a boa nova ao patrão da Jacinta e prevenir da forçada ausência ao trabalho. Por um dia ou dois, que filho novo não justifica a mandriagem de gente pobre. Não era fácil o primeiro tempo em comum para um casal vindo da pobreza. O Tóne, arrevezamento do nome próprio, do Valado, por herança de tetravós, retomara, ao vir da tropa, o trabalho de enxada e foice na quinta do senhor Macedo, que morava na Guarda. Não era grande, a quinta, espreguiçada lá no vale, a maior parte do ano à sombra protectora das escarpas gigantescas. De longe a longe, quando o pastor não vinha, o Tóne entremeava o trabalho braçal com a leva das ovelhas ao pasto. Nessas ocasiões gostava mais de viver. A Jacinta calcorreava todos os dias os quase três quilómetros até à vila, para fazer os dias na casa do senhor Macedo, melhor dizendo, da senhora, que o senhor Macedo andava sempre por Lisboa, agora, desde que fora eleito deputado à Assembleia Nacional. Fora assim mesmo até à véspera do parto, rins a ferrar que nem lobos.
(continua)
Magalhães Pinto
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