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20.9.07

MEMÓRIA

Do ano que deixamos para trás não ficarão saudades. Seria necessário recuar bastante no tempo para encontrarmos ano tão negativo. Com uma crise económica dura, a fazer aumentar o desemprego para níveis que já há muito não víamos. Com sucessivas más notícias no domínio fiscal, impostos a aumentar para níveis quase insuportáveis, como vai acontecer agora com aquilo que era a Contribuição Autárquica. Com os incêndios do último Verão a destruirem uma fatia enorme da nossa riqueza florestal. Com a tragédia humana e social da Casa Pia, a destruir o mito de que somos uma sociedade de bons costumes. Com a Justiça em bolandas, a fazer-nos perder a fé em que os culpados são sempre castigados. Com os acidentes na estrada, consequência da nossa estupidez colectiva, a ceifarem vidas sem conta. Com petroleiros a destruirem os recursos naturais. Com a guerra no Iraque, a fazer crescer o terrorismo para níveis cada vez mais perigosos. Com desastres naturais que, cada vez mais, matam mais gente. Inundações terríveis. Terramotos terríveis. Acidentes terríveis. Comportamentos terríveis. Parece que o Mundo enlouqueceu de vez, neste ano que deixamos para trás.

Estamos num momento em que é legítimo renovar a esperança. Talvez nunca tenha sido tão difícil ter esperança como no final deste ano de 2003. Mas, curiosamente, ocorreu, neste final de ano, ao cair da semana passada, algo que, a meu ver, coloca uma luzinha no fundo do túnel no qual, desvairados, parecemos querer entrar. Refiro-me ao terramoto acontecido no sul do Irão, na cidade de Bam. Causando mais de vinte mil mortos, mais de cinquenta mil feridos, a cidade praticamente toda destruída.

O Irão tem sido, ao longo das últimas décadas, uma ameaça para o mundo ocidental. Não só existem documentos que provam o seu envolvimento em alguns actos de terrorismo internacional, como, mais recentemente, se suspeita que está a desenvolver programas de construção de armas de destruição maciça. Por isso, o Irão tem sido objecto de um acentuado antagonismo do mundo ocidental, não sendo de excluir que, no futuro, possa ter destino igual ao do Iraque.

Não obstante isso, e face à tragédia monumental que se abateu sobre o Irão, a resposta solidária de quase todos os países do Mundo que o podem fazer, foi imediata. Sendo de relevar que uma parte importante dessa ajuda veio dos Estados Unidos, país considerado no Irão como Satanás e com quem está de relações cortadas há mais de vinte anos. Uma vez mais, um país que o petróleo deveria ter tornado rico e sem necessidade de ajudas externas, um país que, ao que tudo indica, financiava movimentos terroristas internacionais, não tinha meios para ocorrer às suas próprias necessidades internas.

É essa solidariedade internacional que quero pôr em destaque. No momento da tragédia, não houve inimigos. Só houve seres humanos a precisar de uma ajuda, que apareceu. A tal luzinha ao fundo do túnerl que, a meu ver, nos permite ter uma réstea de esperança. Só foi pena que, nessa hora, tenha caído uma pequena nódoa. Quando o Governo do Irão disse que aceitava a ajuda de todo o Mundo menos de Israel. Há ódios que não suportam nenhum gesto de amor.

Crónica A RÉSTEA - Magalhães Pinto - "MATOSINHOS HOJE" - 27/12/2003

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