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5.5.07

A DUVIDA - 57º, fascículo

(continuação)

Se fosse outro qualquer, um desconhecido, talvez não lhe atribuisse tanto significado. Teria sido uma recaída, uma falha momentânea, quem sabe se uma necessidade. Maria do Céu continuava, renitentemente, a não aceitar dinheiro meu. Mas com um conhecido!... Não pude evitar a repulsa do macho traído. Tanto mais acentuada quanto se tratava de Vítor. O qual, decididamente, não valia um chavo!

Penosamente, fui extraindo de Maria do Céu a história completa. Um encontro fortuito, um convite embrulhado em meia dúzia de ditos espirituosos - sabes como ele é, tão brincalhão que, junto a ele, nos sentimos descuidados, como crianças... - e jantar num restaurante pequeno e recatado, existente ali na Foz, junto ao castelo. E depois? Os restaurantes fecham muito antes das duas horas! Depois, nada. Apenas tinham estado a conversar, dentro do automóvel do Vítor, estacionados, ali junto às palmeiras, quase em frente do restaurante.

Hoje, depois de tudo o que se passou, duvido, Maria do Céu. Aquela história da tua quarta-feira à noite tem também muitos pormenores a soar a falso. Interrogo-me se, face à verdadeira tortura a que te submeti, não terás inventado essa história, para te veres livre do torniquete das minhas questões, sabendo que eu acreditaria numa história qualquer, menos na do cinema. Naquela altura, porém, quando vi pérolas a cairem em fio, a lavrarem espontaneamente o teu rosto, como se fossem arados, senti-me desnorteado, sem bem saber se a mentira estava na tua verdade, se na minha dúvida. Apenas sei que lhe não resisti, ao teu choro. Abafei, como pude o meu furor e a minha dúvida, atafulhei o espírito com a imaginação da tua vida até então, plena de sofrimento, apertei-te suavemente contra mim e deixei-te soluçar, sem palavras, olhando o mar ensanguentado pelo sol poente.

(continua)
Magalhães Pinto)

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