(continuação)
Quando, no avião, viajando muito acima de algumas nuvens esparsas, te vi, Maria do Céu, absorta, a olhar pelo postigo, com ar sonhador, meio assustado, a saborear a maciez do algodão em rama a deslizar, lá, bem abaixo, jogando ás escondidas com a paisagem aparentemente árida, senti o peito encher-se-me dum orgulho desmedido. Era por mim, devido a mim, que uma miúda, nascida numa aldeiazita qualquer, trabalhada e sofrida logo no verdor dos seus anos, se sentia dona do universo. Eu, eu só, tinha pegado em ti, tinha-te arrancado à condição de escrava de mil homens diferentes, para te oferecer o mundo. Não soube ver, ainda então, Maria do Céu, que estava a substituir uma escravidão múltipla, de algum modo garante da tua relativa liberdade, por uma submissão única, bastante mais absorvente e indigna! Para mim, essa sensação de ser teu dono assumia os viciosos contornos dum amor desmesuradamente possessivo.
Aos poucos, o chão foi ficando mais perto. Apesar de francesa, a companhia tinha recomendado, num português demasiadamente claro para ser natural, os cuidados a ter durante a aterragem. Com um solavanco, tocámos terra. A inversão das pás das hélices e a aceleração da travagem aerodinâmica provocaram-lhe alguma inquietação. Lentamente, deslizámos ao longo da pista até ao estacionamento. Descemos do avião. Não pude deixar de sorrir, quando, ao entrar na gare, Maria do Céu me perguntou se aquilo era Paris. A gare de Orly aparecia como uma cidade, aos seus olhos, quando comparada com Pedras Rubras.
(continua)
Magalhães Pinto
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