(continuação)
Deixara Maria do Céu no hotel. Com recomendações de se não afastar muito, se entendesse tomar um pouco de ar. Cerca das seis horas, estaria de regresso. Regressei mais cedo, ainda não eram quatro. Não estava no lobby. A descansar, provavelmente. A chave não estava na recepção. Subi. Bati à porta do quarto. Silêncio. Dormia. Bati mais forte, com alguma impaciência. Sem resposta. Desci à recepção. Preocupado. Não a tinham visto sair. Devia estar no quarto. Abram-me a porta do quarto, por favor, rápido. Onde está a chave mestra? Quem pegou nela daqui? Depressa! Até que enfim! Apareceu. Nunca mais volto para este hotel. Abriram a porta. Ninguém. Maria do Céu não estava no quarto. Não estava no hotel. Fora dar uma volta, certamente. Desci, disposto a esperar. Não deveria ter ido para longe. Vim á porta. Olhei para um lado. Para o outro. Nada. Fui até uma esquina. Depois, até à outra. Regressei ao hotel. Sentei-me, voltado para a porta. Esperei, a folhear uma revista. Sem me concentrar no que lia. Cada silhueta recortada na luminosidade da porta de entrada era uma ansiedade, logo desfeita. Bolas! Que andas a fazer, Maria do Céu?...
À medida que os minutos se escoavam, Maria do Céu, ia ficando prisioneiro duma surda irritação. Eu próprio te dissera para, se quisesses, ires tomar um pouco de ar. Mas penso nunca ter admitido que o fizesses. Ias ficar, tranquilamente, no hotel, a aguardar por mim. Hoje, vejo claramente ter sido esse o meu desejo. Era como se não devesses existir sem mim, a não ser junto a mim, dependente de mim, só para mim. Cada segundo, daquelas quase duas horas à tua espera, foi uma pedra acumulada para te arremessar logo voltasses. Num crescendo inquieto e surdo de impaciência. Curiosamente, apenas pensei na eventualidade de um acidente qualquer enquanto te julgava no quarto. Nunca mais pensei nessa possibilidade. Era como se, na rua, nada te pudesse acontecer. Não sei explicar porquê. Talvez porque se não esbatesse nunca, no meu subconsciente, a ideia de seres uma filha da rua, quando te encontrara. Por isso, por ela protegida. Recordei a história da tua ida ao cinema, no Porto, e da perda do isqueiro simulada. Continuava sem explicação para essa fuga. Ressurgiam, dos recônditos da alma aonde as esconjurara, as suspeitas do que fizeras com o Vítor, naquelas horas desconhecidas. Sofri tanto durante aquela espera, no hotel, Maria do Céu! O meu pensamento retorcia-se nas curvas duma posse espiritual atraiçoada pela tua ausência não consentida. Porque ir dar uma volta não era estares aquele tempo todo na tua fresca ribeira, pensava eu ao ritmo dum martelo diligente. Onde estavas, perguntava eu. Quando vens, perguntava eu. Porque saiste, perguntava eu.
(continua)
Magalhães Pinto
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