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12.9.07

CRÓNICA DA SEMANA (II)

É uma dúvida que me assalta frequentemente. Até que ponto um caso isolado nos permite generalizar um determinado pensamento. Presente tenho o princípio científico de que uma teoria qualquer, para ser válida, tem que ser experimentada um número suficiente de vezes com resultados sempre confirmados. Não nego a validade deste princípio. Mas pressinto que não é aplicável aos fenómenos sociais. Sobetudo, tendo presente que estes não são experimentáveis em laboratório e que é a repetição, um tanto casuística, dos factos que nos permite generalizar numa teoria aquilo a que assistimos. Mas porque os fenómenos conhecidos nem são totalmente apreensíveis nem o somatório de todos eles se transforma em universal, sempre fica a dúvida de que aquilo que pensamos possa ter fundamento racional. É com esse ânimo que escrevo o meu comentário de hoje.

Vem isto a propósito de uma longa notícia publicada no Diário Digital da Agência Lusa e para a qual chamou a minha atenção a estimada leitora Luísa Alves. Uma notícia relativa a uma gasolineira existente no troço de estrada que liga Zamora, em Espanha, a Quintanilha, já em Portugal. Conheço pessoalmente essa gasolineira, localizada num sítio ermo desse pedaço de estrada, ainda do lado de Espanha. Há escassos meses, quando por essa via regressava de Salamanca ao meu torrão natal, aí parei para abastecer o meu automóvel. Exactamente por uma das razões que são invocadas no artigo. A gasolina ali é substancialmente mais barata do que em Portugal. Na circunstância, apreciei várias coisas, algumas delas citadas no artigo da Lusa. O número de portugueses a trabalhar na gsolineira. O ordenamento do trânsito frente à gasolineira, com nitidez preparado para permitir a inversão da marcha dos automóveis que, vindos de Portugal, tenham a gasolineira por destino final e logo pretendam regressar a Portugal. O movimento inusitado – era um Domingo ao fim da tarde – de automóveis portugueses na gasolineira. Ao ler, agora, este artigo da Lusa, não tenho relutância em certificar que, pelo menos nestes aspectos, o conteúdo do artigo é confirmado pelos factos a que assisti.

Segundo o publicado pela Lusa, trabalha na gasolineira a abastecer automóveis, entre nove trabalhadores portugueses, um engenheiro mecânico trasmonstano. É um trabalho não especializado e perfeitamente desajustado da formação do jovem, mesmo sabendo nós que, hoje em dia e em Portugal, há engenheiros e engenheiros. Mas é um trabalho que paga ao senhor engenheiro o dobro do que lhe é oferecido em Portugal.

Logo isto me chocou. Ainda há não muito tempo, um dos ministros do nosso Governo afirmou que Portugal não deixava fugir cientistas lá para fora. Que sabe ele do que fala? Todos os indivíduos com formação superior são, potencialmente, cientistas. Nem todos o chegam a ser. Mas todos trazem em si, como potência, a possibilidade de o serem. O Senhor Ministro falou por falar e apenas para dar un título aos periódicos das notícias. Mas prossigamos.

A dita gasolineira leva agora dez anos de vida. Começou por ser um pequeno posto de abastecimento rural, no qual eram disponibilizados alguns bens de consumo mais imediato. É agora um pequeno supermercado e o negócio prospera. Clientes no ermo leonês? Portugueses, portugueses e, de longe em longe, um espanhol. Não apenas para a gasolina mas também para muitos bens de consumo. Beneficiando, essencialmente, do nível mais baixo de impostos do lado de lá da fronteira, não só sobre os combustíveis mas também do IVA, que é cinco pontos percentuais mais baixo do lado de lá. É o próprio empresário espanhol da gasolineira que afirma não entender os portugueses, enquanto vai encaixando PIB português, o qual, assim, se transforma em espanhol. Chega a ser ingénuo o pensamento do empresário espanhol. “O meu negócio vive exclusivamente dos portugueses, mas preferia fechar e que os portugueses vivessem bem. Sem os portugueses, este negócio não tem futuro.”. Não entende a estratégia portuguesa de impostos altos. “Se a gasolina estivesse ao mesmo preço, o dinheiro ficaria lá, em Portugal, e o Governo ficava com algum imposto. Assim, perde tudo.”.

Eu posso tranquilizar o inquieto empresário espanhol. O negócio dele vai prosperar ainda muito. É que a esmagadora maioria de portugueses não vive a 30 quilómetros da raia, como os compatriotas de Bragança. Os estrategas do Governo do meu país sabem que só uma ínfima minoria dos portugueses tem a possibilidade de disfrutar, diariamente, das sãs condições fiscais vigentes em Espanha. E uma minoria ainda menor – como eu na tal viagem – podem disfrutar delas ocasionalmente.

Fica, entretanto, um ácido sabor no pensamento, resultante desta história que, provavelmente, cada dia ganha mais força de teoria válida. Há trinta anos atrás, o estádio de desenvolvimento de Portugal e da Espanha eram muito semelhantes. Hoje, escassas três décadas passadas, somos apenas parentes pobres da pujante economia espanhola. São feitos da massa destes resultados os estrategas do meu país. Querem assentar o desenvolvimento em vários princípios que afogam o desenvolvimento. Tendo a área fiscal e a área educativa por vectores principais da agressão selvagem. Impostos asfixiantes e Educação pobríssima. O engenheiro-gasolineiro ainda será dos menos mal preparados. Porque, no futuro, será bem pior. Os engenheiros da próxima geração podem nem para isso ter preparação, passe o exagero.

A perversão é total nas duas áreas. Na área educativa classificam-se professores em função dos resultados dos alunos. Eliminam-se exames nacionais, deixando ficar os resultados na mão dos professores. Os alunos passam, saibam ou não. Os pais ficam contentes porque os alunos passaram. O Governo canta, ufano, os excelentes resultados da sua política de combate ao insucesso escolar. Os alunos chegarão ao fim do curso e irão trabalhar para as gasolineiras de Espanha.

No domínio fiscal, a perversão é ainda maior. Impostos pesadíssimos a desincentivar o trabalho, a poupança, o investimento. Se reclamamos, logo vem a ladaínha de que Portugal é o país de mais baixa carga fiscal da Europa dos Quinze. Uma balela. O que importa é o rendimento disponível depois de impostos. O engenheiro-gasolineiro ganha mais de 1.000 euros por mês a abastecer automóveis. Se tiver impostos de 40%, fica com 600 para ele. Em Portugal, o melhor salário que lhe ofereciam era da ordem dos 570 euros, para começar. Com impostos de 20%, ficaria com 456 euros para ele. Metade de carga fiscal e 24% menos de rendimento disponível. Que sentido faz a afirmação governamental de baixa carga fiscal? Nenhum. É que, se considerarmos o PIB per capita como factor de ponderação da carga fiscal, Portugal passa a ser o primeiro ou segundo país da Europa Ocidental com carga fiscal mais elevada.

Como disse a minha atenta leitora Luísa Alves, “não é com vinagre que se apanham moscas. Estamos no fundo do poço e cada vez se escava mais para baixo em lugar de tentar vir para cima”. Ao que eu junto que cada vez me sinto mais “saramaguiano”, na expectativa, consicentemente recusada mas subconscientemente desejada, de vir a ser espanhol.

Crónica OS ESTRATEGAS - Magalhães Pinto - "VIDA ECONÓMICA" - 12/9/2007

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