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12.9.07

OS HERÓIS E O MEDO - 24º. fascículo

(continuação)

Fora um romance de punhos de renda. O António era uma boa figura. O mundo era um berlinde para o seu metro e noventa. Um imperador quando vestia a farda, de botões e galões a rebrilhar. Lembrava-se perfeitamente do primeiro beijo, nos jardins da Academia, por ocasião do Baile dos Finalistas. Antes disso, já lhe ficara nas mãos um açafate de respeitosos beijos. O anúncio do namoro. Bem recebido pela família. Era público e notório o carácter extremamente religioso do António. Católico fervoroso, ia muito para além do cumprimento estrito das obrigações mandamentais. Missa todos os domingos e dias santos - não raro ajudava a elas - confissão uma vez por mês, pelo menos, e comunhão em todas as missas. Pobre atravessado no seu caminho tinha a côdea do meio dia garantida. O noivado quando ele ganhara poiso em quartel certo. Uma "atarrachadela" do pai de Amélia colocara-o em Cascais, na Bateria. O casamento. O véu enorme. A flor de laranjeira. Os colegas de curso do António, em farda de gala, espadas desembainhadas e cruzadas à saída da igreja. Os filhos. O filho primeiro. Enfezadito, choroso, até ser operado às adenóides. Nem parecia filho daquele pai. A botar figura daí para a frente. Três anos depois, a filha. Traquina, mal começara a andar. Irrequieta. O desterro da loiça, a começar naquele jarrão vindo da Índia, oferecido pelo pai do António. Onde andarás a esta hora Rafaela? Sempre a mesma coisa, desde que se achara gente. Daqui a nada vou ter que aturar o teu pai…

(continua)
Magalhães Pinto

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