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17.3.11

CRÓNICA DA SEMANA

A CRISE

CRISE: manifestação violenta de uma doença ou indisposição, numa pessoa aparentemente saudável, alteração repentina ou agravamento brusco de uma doença crónica.

Dicionário da Academia de Ciências de Lisboa


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Uma atenta leitura desta voz autorizada, combinada com a recordação de como chegamos até aqui, não deixa dúvidas a ninguém sobre quem é o autor da CRISE. Basta tomarmos como verdadeiro o nosso Primeiro-Ministro, como um homem que, nas suas próprias palavras, “fala sempre verdade aos Portugueses”. Então não é verdade que, até há bem pouco tempo, Portugal era, não já o obtuso e alienígena “oásis” macediano, mas o bem portuguesíssimo e bucólico “jardim à beira mar plantado”, de uma Europa desgraçada? Mais. É ou não verdade que, nas palavras sempre acutilantes do nosso grande líder, que são os mercados e esses safados dos “raters” que estão em crise, duvidando da palavra dele, na qual os Portugueses crêem piamente? Sejamos honestos. Ponhamos de lado todos os maniqueísmos dos que são movidos apenas por ambições pessoais e/ou partidárias, para escutar a verdade acima de tudo. D’Ele. Fechemos os ouvidos aos arautos de uma desgraça que, com Ele, jamais nos sucederá. A ajuda externa. E os concomitantes sacrifícios. Aceitemos de bom grado os pequenos prazeres que ele nos vai proporcionado com “peques” sucessivos que, ademais, são sobretudo para os próximos anos mas já estavam previstos desde o ano passado. E fixemo-nos no mais importante. Ele, o nosso grande líder, está ali para nos servir. Ele, o nosso querido chefe, está ali para nos evitar penosos trabalhos. Ele, o nosso salvador e protector, está ali para guardar Portugal. Onde é que eu já ouvi isto? Adiante. Não consigo resistir à sua convicção. À sua simpatia. Aliás, resisto menos à sua simpatia do que a Senhora Ângela. Eu ainda torço às vezes o nariz. A Senhora Ângela nem o nariz torce. Aliás, ela tem-no pequenino, ao contrário d’Ele. Não dá para torcer. E notemos ainda que eu torço o nariz mas estou bem melhor do que muitos outros, os quais estão neste momento a torcer a orelha. Algo que Ele não merece. A sua competência vai muito para além da do comum dos mortais. Vejam um exemplo. Ele lança uma taxa adicional sobre as pensões. Qualquer um diria que Ele está a aumentar a receita do Estado, sem mexer na despesa. Néscios! Cegos! Ele vê a verdade. Ao lançar essa taxa, paga menos pensão. Portanto, é um decréscimo da despesa do Estado que ele está a conseguir! Burros, todos os outros, que não entendem que mais receita obtida sobre a despesa do Estado é, realmente, menos despesa do Estado!

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Confesso que não entendo nem porque se fala tanto em possível crise política e porque é que tanta gente com responsabilidades nos aparece como se tivesse medo de tal crise. Então crise é só a queda de um governo e de uma maioria relativa parlamentar? Ou, sendo mais coisas, só esta é que tem importância? Mais, é esta, a política, a crise mais importante? Mais ainda. Se estamos embrulhados num conjunto de crises – política, social, económica, financeira, governamental, parlamentar, da verdade, da administração, do emprego, da produtividade – são elas todas independentes umas das outras, a tal ponto de podermos esquecer-nos de todas menos uma, a política? Por amor de Deus! Respeitem, pelo menos, a minha sanidade mental! Não é crise, uma imensa crise global, aquela que Portugal sofre neste momento? Não é crise ver um povo divorciado dos seus governantes, dos seus representantes, dos seus gestores políticos, sejam eles da situação ou da oposição? Não é crise suspeitar da bondade de todas as medidas anunciadas, ao que se diz, “para nos salvar da crise”? Não é crise a magnitude dos protestos que se escutam por todos os lados, vindos de todos os sectores sociais, produtivos, públicos e privados? Não é crise vermos anunciados, todos os dias, os resultados ruinosos de decisões e acções administrativas de quem nos governa? Não é crise esta falta de confiança no futuro que a todos nos invade? Repito, Portugal vive uma imensa crise global. Colocar sob a luz dos holofotes apenas a crise política é olhar para um só dos personagens em palco na Marcha Triunfal da ópera “Aida”. Com a agravante desta ser uma ópera séria e a de Portugal ser uma ópera bufa.

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Mas, quando a situação chega a este ponto, de crise generalizada, só pode haver uma atitude: reconhecer a crise, arregaçar as mangas e trabalhar para sair dela. E aqui é que pode a porca torcer o rabo. Porque sempre haverá quem pense haver muitas portas para sair da crise. E, eventualmente, há pelo menos mais do que uma. Mas, infelizmente, só podemos escolher uma. Seja ela qual seja. E, escolhida que seja a porta, temos todos de entrar nela, de roldão. Avassaladores. Com mais força do que a própria crise. Provavelmente, a primeira porta franqueada dará para outra sala, onde a crise ainda está. Também ela com várias portas. E o dilema continuará a ser o mesmo. Qual porta escolher. Novamente temos de fazer uma escolha e, feita esta, voltarmos a entrar todos por ela fora de roldão. Avassaladores. Com mais força do que a própria crise. E assim sucessivamente, até chegarmos à rua, onde brilha o sol.
Quando penso nisto, há uma primeira porta que eu julgo tem de ser escolhida. É aquela que ostenta o cartaz:

“Temos de ter confiança em quem nos governa”.

E o raciocínio é simples. Se nós, Portugueses, não tivermos confiança em quem nos governa, como é que podemos esperar que os sacrossantos mercados e “raters” tenham confiança? Como é que podemos pedir que acreditem que Portugal não precisa de pedir ajuda externa se nós próprios pensarmos que, com estes governantes, não vamos lá sem essa ajuda? E é mesmo verdade que não temos confiança em quem nos governa? Só há uma maneira de saber. Perguntando ao Povo o que pensa, de modo que possa ser contado, avaliado. Isto é, realizando eleições. Mas isso, dizem, é gerar uma crise política. Outra vez! Respeitem a minha sanidade mental, por favor! Desde quando, em democracia, perguntar ao Povo o que pensa é gerar uma crise política? Todavia, muitos – todos? – pensam que, seja qual seja o resultado das eleições, a desconfiança em quem nos governa não desaparecerá. Porque é nos políticos em geral que o Povo não confia. Não responderemos, por aí, à questão primordial. “Temos de ter confiança em quem nos governa”. Talvez seja verdade. Mas os políticos são necessários. E os que temos são estes e não outros. Portanto, perguntar ao Povo, em eleições, o que pensa tem o sabor de um primeiro passo. Necessário, mas não suficiente. Logo depois virá o segundo:

“Cada um de nós tem de conhecer quem o representa”.

Por mim votarei, de olhos fechados, em quem me prometa a criação de círculos uninominais. Muito mais cegamente se também me prometer criar condições para que a indigitação de candidatos a deputados não seja um exclusivo dos Partidos.

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São dois primeiros passos. Mas assim vamos levar muito tempo a sair da crise? Bom, não nos prometem menos tempo para sair dela pelos meios actualmente disponíveis e preconizados. Tempo de crise parece ser o que nos não falta. E com esta convicção íntima. É que se não são dados passos corajosos para recriar a confiança dos Portugueses em quem os governa, então só nos resta esperar que o agravamento da situação nas ruas nos conduza às transformações necessárias e de modo muito mais doloroso. É que nunca fechou nenhum país e o nosso não vai ser, seguramente, o primeiro. Por isso, venha de lá, o mais depressa possível, a primeira mini-crise, a política.

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