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10.3.11

CRÓNICA DA SEMANA

CASO DE POLÍCIA

É grave. Não é apenas uma trica política, para o qual hajam de encontrar-se sanções políticas, que o mesmo é dizer, nenhuma sanção. Trata-se de um desvio de dinheiros públicos, de enriquecimento sem justa causa, e, eventualmente, dependendo do resultado de uma adequada investigação, de associação criminosa. Tudo crimes previstos na nossa lei penal. Crimes públicos (com alguma interrogação para o enriquecimento ilegítimo). Por isso, a não precisarem da queixa de alguém para serem perseguidos e punidos os respectivos responsáveis. Basta serem do conhecimento público para que o Ministério Público ordene a competente investigação policial e se chegue, por essa via, à não menos competente sanção judicial. E, para que não fiquem dúvidas a ninguém, quem quer que seja que, devendo agir neste caso, o não faça, a certeza de que se torna cúmplice dos crimes referidos. Além disso, a par ou em separado, haverá negligência no uso dos fundos públicos e incumprimento de contrato.

Os factos são estes:

- O Decreto-Lei nº. 139/2009, de 15 de Junho, estabeleceu o “regime jurídico de salvaguarda do património cultural imaterial português”, pomposamente “de harmonia com o direito internacional”;

- Para cumprimento dessa lei, a salvaguarda do património cultural imaterial seria conseguida fundamentalmente com base na inventariação, conforme o seu artigo 6º.;
- A necessidade de eventual salvaguarda urgente desse património era reconhecida no artº. 17º. Do mesmo Decreto-Lei; e terá sido com base nesse reconhecimento que foi nomeado, em Janeiro de 2010 e pelo Ministério da Cultura, um Grupo de Trabalho composto por cinco pessoas, a saber:

Dra. Helena Maria Gil Martins Ferreira
Dra. Carla Sofia Queirós da Costa
Dr. Luís Marques dos Santos
Dr. José António Cabrita Nascimento
Dra. Lúcia Margarida Alegrias Cachaço;

- No dia 14 de Fevereiro de 2011, pelo despacho nº. 3069/2011 do Instituto dos Museus e da Conservação, no cumprimento do despacho da Ministra da Cultura publicado no Diário da República, 2ª. Série, nº. 21, de 31 de Janeiro de 2011 (curiosamente, não consegui encontrar este despacho na edição electrónica), o referido Grupo de Trabalho foi extinto;

- As razões para a extinção foram, segundo o Secretário de Estado da Cultura aponta “a insatisfação pelos resultados e a entrada em funções da Comissão prevista no Decreto-Lei 139/2009;

- Averiguado o trabalho feito durante o pouco mais de um ano que o referido Grupo de Trabalho esteve em funções, concluiu-se que foi praticamente nenhum;
- O Grupo de Trabalho era remunerado pelas suas funções e custou ao erário público, enquanto esteve em funções, cerca de 209.000 euros;

- Um dos membros do Grupo de Trabalho (Luís Marques) diz que não fizeram nada porque nunca lhes foram dadas as condições para tal.

Estamos, assim, numa situação em que:

- O Estado despendeu 209.000 euros sem ter nenhuma contrapartida;

- Os cinco membros do Grupo de Trabalho embolsaram qualquer coisa como essa quantia sem nenhuma contraprestação;

- Como habitualmente, uns atiram as culpas para os outros e vice-versa;

- O património público foi defraudado por alguém, ou por dolo ou por negligência.

Posto isto, a análise da situação. Tanto quanto sei, o servidor público é obrigado a indemnizar o Estado pelos prejuízos causados sempre que da sua acção, dolosa ou negligente, resulte dano para o património público. E, neste caso, nós estamos apenas no domínio público. Todos os intervenientes são servidores públicos. É mesmo minha opinião que mesmo os políticos o são. Especiais sem dúvida, mas servidores públicos com contrato a termo. E a situação descrita causou danos ao Estado, como tal devendo ser contados os mais de 200 mil euros gastos sem qualquer contrapartida.

Mas há outra face. É que os membros do Grupo de Trabalho embolsaram uma pequena fortuna sem qualquer contraprestação. E isto é configurado, no direito português, como enriquecimento sem justa causa. E, quando este acontece, quem enriquece sem causa é geralmente forçado a devolver todas as prestações recebidas a quem lhas prestou. Isto é, e salvo melhor interpretação em que os advogados são hábeis, os membros do Grupo de Trabalho têm de devolver imediatamente aos cofres públicos as quantias recebidas. Não tendo trabalhado, não têm direito a esse embolso. Pode acontecer que tenham razão nas suas alegações de que não lhes foram dadas condições para efectuar o seu trabalho. Deveriam, então e lestamente, ter apresentado a sua demissão, em lugar de ficarem tranquilamente sentados à lareira, a receber ordenado para nela aquecerem os pés. E, se alguns prejuízos lhes foram causados, que chamem à colação os responsáveis por esses prejuízos e deles tentem obter o seu ressarcimento.
Fica ainda, neste domínio algo a esclarecer. Os integrantes do Grupo de Trabalho são amigos, correligionários, co-partidários de quem os nomeou ou recomendou? Não sei. Eventualmente não. Mas pode ser que sim. Mas se a resposta fosse sim, o Estado – o País – devia ter a possibilidade de argumentar a existência de uma associação criminosa para defraudar o património público. Temos de tentar liquidar, de uma vez por todas, os compadrios, as cunhas, as amizades, que estão na origem de um número infinito de “tachos” existente na nossa Administração Pública.

Posto isto, que fazer? Penso que cada um de nós, nada. Basta o notório conhecimento público destes factos para que alguém tenha de fazer alguma coisa. O Ministério Público. Isto é, o Senhor Procurador-Geral da República. Creio não ser preciso mais nada para que ele tenha o dever de agir, sob pena de ser cúmplice dos eventuais crimes cometidos. O que faz com que estas minhas linhas tenham um endereço bem evidente: a Procuradoria-Geral da República. Basta de os agentes públicos, designadamente os agentes políticos, andem a desbaratar para aí dinheiro NOSSO aos montes, sem que ninguém lhes peça responsabilidades. Isto acontece, nós sabemos, com Líbias e Khadafis. Mas nós não somos desses. Só o seríamos se o país estivesse entregue a uma corja que a isso nos quisesse reduzir.

Magalhães Pinto, em VIDA ECONÓMICA, em 10/3/2011

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