(continuação)
Cerca de uma semana depois, cheguei a casa alvoroçado. Levava no bolso uma surpresa para Maria do Céu. Dez anos corridos sobre a grande leva de sessenta, o jornal entendia fazer uma reportagem àcerca da vida dos portugueses que a guerra colonial, por um lado, e a falta de futuro, por outro, levara a palmilhar as estradas da emigração. Andarilhos de quinhentos de ambições reduzidas pela poeira dos séculos. Paris, a segunda maior cidade portuguesa do mundo, era o destino. Conhecer a integração dos lusitos na sociedade francesa, o objectivo. Era necessário acertar pormenores e preparar a tarefa. Mas logo me vi a voar, com Maria do Céu pela asa, em direcção a essa cidade, na qual também gostaria de ter nascido. Era uma oportunidade dupla e única. Por um lado, a possibilidade de esmorecer os remorsos que me amassavam o peito, desde a ida a Rala. Por outro, proporcionar a uma miúda de aldeia, com horizontes pouco mais distantes que as escarpas da serra, lá nas berças, ou as paredes de betão, na cidade de acolhimento, a visão dum outro mundo. Grande. Complexo. Excessivo. Um mundo onde a cultura e a anti-cultura tinham os mesmos direitos de cidadania. Onde a imponência dum quadro de Rubens se translada para a excitação dum espectáculo erótico-pornográfico da Pigalle ou da Rua Saint Denis, tomando por ponte a sensualidade polícroma de Renoir.
Vamos uns dias a Paris, atirei-lhe de chofre. De início, olhou-me, incrédula. Sim, a Paris, capital de França, ali no começo da Europa! Vive lá quase tanta gente como em Portugal inteiro! Claro, com uma boa ajuda dos que para lá mandamos, à míngua de pão digno por estas bandas! Já sei... também foram muitos da tua aldeia! Não há aldeia portuguesa que não tenha espetado uma bandeira em França! Não, o dinheiro não é problema. Só tenho que pagar as tuas viagens. De resto, no hotel não pagamos mais quase nada. O jornal paga o meu alojamento, e com as ajudas de custo e mais alguns tostões, a tua ida a Paris fica quase de borla. Precisas é de algumas roupas mais quentes, que nesta altura faz bastante frio por lá... Não me admirava nada se apanhássemos alguma neve! Oh! deixa lá, esqueci-me de que estás farta de ver a neve... eu, sempre encafuado nesta cidade, é que a vejo raramente...
(continua)
Magalhães Pinto
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